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Hepatite D, pouco conhecida mas potencialmente fatal

hepatite D

De todos os vírus da hepatite, o D é o menos conhecido. Este pequeno vírus, que só pode infetar pessoas já infetadas pela hepatite B, tem sido pouco estudado, apesar de ser uma das formas mais perigosas de hepatite viral crónica, devido à sua possível progressão para doenças hepáticas irreversíveis (cancro e cirrose). O alerta vem de um grupo de cientistas suíços, que pede mais atenção à hepatite D.

Investigadores da Universidade de Genebra e dos Hospitais da Universidade de Genebra estudaram as consequências mais graves da hepatite crónica: carcinoma hepatocelular, um cancro do fígado particularmente agressivo e muitas vezes fatal.

A revisão sistemática da literatura e uma meta-análise de todos os dados disponíveis revelaram que as pessoas infetadas com hepatite D têm um risco até três vezes maior de desenvolver carcinoma hepatocelular em comparação com aquelas infetadas apenas com hepatite B.

Resultados agora publicados no Journal of Hepatology, onde se apela à triagem sistemática da hepatite D em doentes com hepatite B, a fim de, por um lado, gerir melhor os infetados e, por outro lado, entender melhor a real prevalência da doença.

Hepatite D, difícil de controlar

Existem cinco tipos de vírus da hepatite, com manifestações e consequências muito diferentes. As hepatites A e E causam infeções agudas que podem ser graves, mas transitórias, enquanto as hepatites B, C e D podem tornar-se crónicas e causar disfunção hepática meses ou até anos após a infeção.

Embora agora a hepatite C seja bem tratada, a hepatite B e especialmente D ainda são difíceis de controlar.

“A consequência mais séria das hepatites B e D é o carcinoma hepatocelular”, explica Francesco Negro, professor do Departamento de Patologia e Imunologia da Faculdade de Medicina da UNIGE e diretor da Unidade de Viropatologia do HUG.

“Já se sabia que a coinfecção das hepatites B e D acelera a progressão da cirrose. No entanto, em que medida a acelera a progressão em direção a esse cancro hepático particularmente agressivo? Isso ainda precisava ser avaliado.”

Para descobrir se a hepatite D é ainda mais perigosa que a B, a equipa fez uma revisão sistemática e metanálise de todos os estudos epidemiológicos, refere a portuguesa Dulce Alfaiate, investigadora do Departamento de Patologia e Imunologia da Faculdade de Medicina da UNIGE e primeira autora deste trabalho.

Para isso, reexaminaram os dados apresentados em 93 estudos, representando um total de mais de 100.000 doentes. “E embora nem todos sejam de qualidade semelhante, a análise dos melhores é muito clara: os doentes com hepatite D têm um risco quase três vezes maior de desenvolver carcinoma hepatocelular em comparação com aqueles com hepatite B isoladamente”, acrescenta.

Ausência de testes e tratamentos

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, centenas de milhões de pessoas estão infetadas com o vírus da hepatite B. Em algumas regiões, como a Polinésia e alguns países africanos, mais de 6% da população adulta está infetada e o vírus é amplamente transmitido de mãe para filho. Mais, as crianças infetadas ao nascer quase sempre desenvolvem a forma crónica da doença.

O vírus da hepatite D, por sua vez, infeta uma proporção significativa de portadores da hepatite B, mas a extensão do problema é desconhecida. “Algumas estimativas sugerem que pelo menos 15 a 20 milhões de pessoas estão infetadas com hepatite D, enquanto outras podem chegar a 60 milhões, quase o dobro do número de pessoas a viver com VIH em todo o mundo”, diz Dulce Alfaiate.

Na ausência de testes sistemáticos, no entanto, é extremamente difícil ser preciso. “Na Suíça, cerca de 25.000 pessoas vivem com hepatite B, entre as quais 1.500 com hepatite D. E isso apesar de haver uma vacina contra a hepatite B disponível e eficaz.”

Para além de um antiviral e um imunomodulador com eficácia limitada, não existe atualmente tratamento para a hepatite D. “A nosso ver, a evolução em direção ao cancro do fígado é subestimada”, reforça Francesco Negro. “No entanto, esta doença afeta pacientes jovens que sofrem de cirrose desde os 25 aos 30 anos.”

Atualmente, estão a ser exploradas várias formas de controlar a doença: o laboratório de Francesco Negro está a estudar as alterações epigenéticas induzidas pelo vírus e o mecanismo que geram tumores no fígado.

Os autores concluem: “O nosso trabalho destaca a necessidade de melhorar a triagem da hepatite D em pessoas com hepatite B e a necessidade urgente de terapias antivirais eficazes, como aquela contra a hepatite C, que salvou a vida de milhões de pessoas desde 2011”.

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