Segundo a tradição católica, a avareza é um dos sete pecados capitais. Um comportamento que se caracteriza pela dificuldade e medo de perder o que se tem.
Segundo a tradição católica, a avareza é um dos sete pecados capitais. Um comportamento que se caracteriza pela dificuldade e o medo de perder o que se possui, como bens materiais e recursos. Por isso, uma pessoa avarenta tem dificuldade de abrir mão do que tem, mesmo que receba algo em troca; tem cuidado excessivo com seus pertences e é uma pessoa egoísta.
No Brasil, chama-se uma pessoa avarenta por muitos nomes, como pão-duro, mão-de-vaca, unha-de-fome ou muquirana, mas estes apelidos, muitas vezes empregados de modo pejorativo, estão longe de refletir as reais consequências da avareza na vida do avarento.
O filósofo e escritor Fabiano de Abreu acredita que a avareza e suas atitudes podem, na verdade, revelar não apenas baixa autoestima ou vaidade excessiva, mas também ter sua origem em outros assim chamados pecados capitais. E é isto que ele relata numa de suas teorias.
“A avareza manifesta-se quando o apego excessivo e descontrolado pelos bens materiais e pelo acúmulo de dinheiro revelam uma vaidade excessiva ou uma completa falta dela. Esse desejo de possuir muito dinheiro para si, pode ocasionar inveja, cobiça, e também pode estar ligado à gula. O indivíduo passa a querer mais e mais, de maneira irracional, pois se ele mesmo parar para pensar racionalmente, verá que, daqui dessa vida, não se leva nada, nenhuma moeda. Quando morrermos, independente da crença de cada um, seremos enterrados em buracos no chão, muito parecidos uns com os outros, só por isso, não deveríamos ser avarentos.”
Nunca é o bastante
Segundo Fabiano de Abreu, a avareza tem ligações com a não saciedade e insatisfação com o que se tem. “O avarento não consegue pensar que possui o suficiente para ser feliz porque vive um vazio existencial. Falta uma estima por si mesmo. O problema é que o avarento não consegue ser feliz com pouco, e pensa que só será feliz se tiver muito. No entanto, quando conseguem acumular um montante que para muitos é satisfatório, geralmente se tornam amargos,
mesquinhos, egoístas e com essa atitude se distanciam cada vez mais da tão desejada felicidade.”
De quanto precisamos para alcançarmos a felicidade? O filósofo faz um paralelo entre o necessário para se viver e desejo de acúmulo de riqueza. “Precisamos de bens materiais? Sim, precisamos de uma certa quantia para o que é essencial, para que usufruamos do mínimo de conforto e nos sintamos seguros. Mas o excesso, o acúmulo de bens pode ser sinal de uma busca por mascarar uma profunda tristeza interior. Se eu não me sinto bem comigo mesmo, eu acabo ficando vulnerável ao sugestionamento, e busco acumular riquezas e bens para chamar a atenção das pessoas. Seja comprar um carro de luxo, ou investir em imóveis de alto padrão, o avarento o faz para se sentir bem e aceite.”
“Essa pressão em obter mais, seja imposta pela família, pela sociedade, ou pelo próprio avarento, o motiva a se tornar um infeliz sem escrúpulos. O que não quer dizer que o avarento faz gastos a toda hora, mas os que faz, são compelidos por estas necessidades, de alcançar reconhecimento e tentar encontrar uma felicidade. Ele gosta de mostrar aos outros o que possui, mas não divide o que tem com ninguém. Ele é sovina, só gasta o seu dinheiro se tiver plateia olhando. Entre quatro paredes, a família sofre para retirar um vintém sequer dele, tudo é muito caro e, portanto, dispensável, na sua visão tacanha. É o famoso, ‘mão de vaca’, ou ‘pão duro’.”
A avareza como produto da experiência pessoal
Fabiano também aponta que alguns se tornam avarentos após um período de dificuldade financeira severa. “Se no contexto dos sete pecados capitais pensarmos que o avarento de hoje é o pobre e famigerado faminto de ontem, ele poderia ser perdoado? Alguns, dominados pela avareza, justificam o ‘pão-durismo’ dizendo que sofreram com a escassez na infância. Mas aquele que sentiu fome e se torna avarento pode ser escusado quando o assunto é o pecado da avareza? O motivo que o fez sofrer na infância foi a falta, e essa lembrança causa nele uma angustia, pois teme vir a passar pela escassez novamente. Essa lembrança se transforma num trauma que o leva a guardar grandes quantias, pois acredita piamente que poderá vir a precisar um dia.”
De acordo com a teoria do filósofo, aqueles que foram paupérrimos e passaram por privações podem definir um determinado objetivo de se tornarem prósperos e, no decorrer da vida, por tudo que teve que fazer, esse homem poderá, sim, vir a se tornar um avarento, se conseguir adquirir algum dinheiro na vida, colocando o acúmulo de dinheiro acima dos escrúpulos.
“Para conseguirem o que querem, burlam aqui, corrompem ali, são corrompidos acolá, e seguem comendo pelas beiradas, trilhando rumos obscuros para conseguirem o que querem, que é dinheiro e mais dinheiro. Porém, não podemos generalizar. O pobre só se tornará um rico avarento ou um ser pão-duro, se ele tiver dentro dele, sentimentos mesquinhos enraizados, uma mania de grandeza incrustada. Muitos, dominados pela avareza, se justificam dizendo que precisam ter uma reserva caso aconteça alguma coisa ‘ruim’, uma doença na família ou até com ele, um acidente, algo negativo. Esse pensamento de ‘prevenção’ é comum e natural nos seres humanos, mas o avarento de verdade não guarda pouco para essas ocasiões não, ele guarda muito mais do que a situação exigiria.”
As consequências da avareza
Para o filósofo, a avareza tem diversos desdobramentos e pode afetar mais pessoas além do avarento.
“O vício pelo acúmulo de dinheiro quando é reconhecido em um pai, leva alguns dos filhos a sentirem que os bens materiais são mais importantes do que eles próprios. Sentimento esse que poderá levar muitos a se tornarem os famosos ‘filhos de pais ricos’, que não se esforçam para conquistar o próprio alimento, pois entendem que já possuem o suficiente. Os filhos da avareza saem por aí gastando e esbanjando o dinheiro do pai com suas frivolidades. Tal comportamento, se torna um grande problema familiar, pode-se imaginar.”
“Essa ação do pai gera uma reação por parte dos filhos que se sentem subjugados e continuam a agir de maneira imatura e irresponsável. Além disso, o filho de sovina poderá vir a ser um sovina também.”
Na sua teoria, o filósofo evoca de certo modo a Lei do Retorno. “A forma como trata os outros lhe trará bênçãos ou martírios. A sua dignidade, o seu caráter e a sua honestidade trarão muito mais riquezas a sua vida do que o dinheiro que você tem no banco. É preciso que o avarento se consciencialize que não serão os bens materiais que o darão projeção na sociedade, ou que os tornarão poderosos e felizes, mas sim a forma como se sentem e como tratam as pessoas que compõem essa sociedade. Não podemos deixar que a necessidade do “ter” se sobreponha à importância do “ser”. Estamos nessa vida para deixar um legado, e o legado não está relacionado ao montante de dinheiro ou às riquezas materiais que adquirimos, mas sim, aos feitos que realizamos no sentido de melhorar a sociedade em que vivemos e a vida humana. Caixão não tem gaveta para guardar dinheiro, e dinheiro não tem alma para ser carregado para o outro lado.”