Dados de um novo estudo pan-europeu que avaliou a carga das doenças digestivas, apresentado na Semana da UEG (United European Gastroenterology), destacam um aumento preocupante na prevalência de várias doenças digestivas desde 2000, entre estas as doenças hepáticas crónicas, pancreatite, doenças do refluxo gastroesofágico, gastrites, distúrbios vasculares intestinais e doenças celíacas em crianças. Além disso, as taxas de incidência e mortalidade para todos os cancros digestivos aumentaram 26% e 17%, respetivamente, no período de 2000 a 2019.
O relatório revela que as doenças digestivas afetam mais de 300 milhões de pessoas na Europa e na área do Mediterrâneo, com substanciais custos económicos associados. A incidência e prevalência de muitas doenças digestivas são mais elevadas entre os muito jovens e os idosos e, à medida que a população europeia envelhece, esta carga irá aumentar inevitavelmente.
A incidência e a mortalidade padronizadas por idade aumentaram para o cancro do fígado e pâncreas na maioria dos países europeus desde 2000, com o uso de álcool, a obesidade e outros fatores modificáveis associados ao estilo de vida identificados como os contribuidores principais para esta realidade.
O aumento da incidência de cancro colorretal entre adultos jovens é também motivo de preocupação.
Mais casos de doenças digestivas
Investigadores da Universidade de Liverpool, no Reino Unido, que realizaram o estudo, observaram tendências crescentes na carga de doenças digestivas devido ao elevado índice de massa corporal (IMC) em todo o continente.
E, embora tenha sido feito algum progresso na redução da carga atribuível ao álcool desde o ano 2000, o consumo de bebidas alcoólicas continua um dos principais fatores.
Mas nem tudo é mau: o estudo confirmou a diminuição da carga de saúde associada ao tabagismo em quase todos os países europeus, resultado das estratégias nacionais de intervenção.
Um fator-chave destacado no relatório é que as diferenças sociais e económicas verificadas entre as populações explicam grande parte das diferenças na carga das doenças digestivas, com os países mais desfavorecidos, conforme medido pelo Índice de Desenvolvimento Humano, a sofrerem uma carga maior destas doenças.
Em termos do peso económico das doenças do aparelho digestivo, o relatório da UEG constata que, em média, o custo estimado da prestação de serviços de saúde em regime de internamento (excluindo tratamento e diagnóstico) para as doenças do aparelho digestivo em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 0,12% nos 31 países incluídos no estudo. Isso traduz-se num custo potencial em toda a União Europeia de aproximadamente 20 mil milhões de dólares em 2021.
“A carga sanitária, económica e social das doenças digestivas está a aumentar de forma alarmante”, afirma Helena Cortez-Pinto, presidente da UEG. “Os nossos sistemas de saúde e economias já estão num estado frágil e são necessárias ações urgentes para enfrentar estes encargos, através de educação pública, modulação de escolhas de estilos de vida e investigação, para reverter estas tendências alarmantes.”
O impacto económico
De acordo com o relatório, se fosse possível reduzir, nos 31 países europeus, a mortalidade prematura relacionada com as doenças digestivas em 25%, a economia estimada com a prevenção de perdas de produtividade seria de um total de € 11,4 biliões (em 2019), valor que subiria para € 22,8 biliões e € 34,2 biliões para reduções de 50% e 75%, respetivamente.
A carga das doenças digestivas, medida pelos anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs), tende a ser maior nos países da Europa Central e Oriental em comparação com a Europa Ocidental e do Sul, sobretudo para as doenças hepáticas crónicas, pancreatite, gastrite e duodenite, distúrbios vasculares intestinais e úlcera péptica.
Luigi Ricciardiello, presidente do Comité de Investigação da UEG, acrescenta que “as desigualdades em saúde permanecem em toda a Europa e, com os desafios económicos emergentes, esperamos que essas desigualdades sejam ainda mais exacerbadas. Infelizmente, apesar da sua prevalência substancial e do impacto global, muitas doenças digestivas continuam pouco compreendidas e atraem relativamente pouca atenção política ou de financiamento”.
Tanith Rose, investigadora principal do estudo, conclui que “a falta de progresso nas últimas duas décadas na redução da incidência das doenças digestivas realça a necessidade de maior adoção de estratégias preventivas eficazes. Fatores sociais e económicos contribuem para diferenças importantes na carga da maioria das doenças digestivas, e os esforços para as reduzir que não tenham em conta esses fatores provavelmente terão sucesso limitado”.