Há quem não os consiga ver, mas há um crescente grupo de adeptos dos filmes de terror. O que tem a ciência a dizer sobre este tema? Hugo Simião, especialista em psiquiatria com competência em sono, dá aqui resposta a algumas das questões mais frequentes sobre o tema.
Enquanto uns acham os filmes de terror uma diversão inocente, para outros eles despertam ansiedade e dificultam o sono. Mas o que é que a ciência tem a dizer sobre isso?
Por que é que há pessoas que gostam tanto de filmes de terror?
Essa é uma pergunta que intriga tanto cientistas como fãs. G. Neil Martin, um investigador britânico publicou um estudo muito interessante em 2019 que fala sobre isso. Um dos fatores que parece explicar isso é a personalidade: pessoas com traços de personalidade como a busca de sensações (ou sensation-seeking) tendem a gostar mais de filmes de terror. Essas pessoas sentem-se atraídas por experiências intensas e novas, sendo que além desses filmes também pode apreciar desportos radicais ou experiências que despertam adrenalina.
A forma como o cérebro de cada pessoa processa emoções e estímulos de medo também tem importância. Algumas pessoas sentem prazer com o medo em situações seguras, pois o cérebro interpreta a resposta de “luta ou fuga” como uma emoção positiva quando não há um perigo real. Por isso, ao assistir um filme de terror, o nosso cérebro ativa os circuitos de recompensa, os mesmos que se ativam em atividades prazerosas, como comer uma boa refeição, ter uma conquista ou até desenvolver uma adição, numa lógica de “isso é bom, por isso repete”. Outras, no entanto, têm uma resposta mais intensa ao stress e ao medo e, por isso, experienciam o terror uma experiência desagradável.
Os filmes de terror também podem ter uma espécie de efeito catártico: assistir a situações assustadoras num ecrã permite-nos enfrentar medos abstratos ou internos, como a morte, a perda ou o perigo, sem riscos reais, como se fosse um “ensaio emocional” que nos ajuda a lidar melhor com os medos reais que a vida apresenta.
Por outro lado, estudos indicam que pessoas com níveis mais elevados de empatia geralmente gostam menos de filmes de terror. Como elas tendem a sentir as emoções das personagens de forma mais intensa, podem sentir como perturbador ver cenas violentas ou assustadoras. Já as pessoas com menos níveis de empatia parecem conseguir manter uma maior distância emocional, o que facilita o prazer nesses filmes.
A cultura em que crescemos e experiências passadas também desempenham um papel importante. Quem cresceu a assistir filmes de terror pode associar essas experiências a momentos de diversão e nostalgia, mas experiências traumáticas também afetam essa preferência, já que algumas pessoas evitam terror por ativar memórias e emoções difíceis.
O que acontece no nosso corpo ao assistir terror?
Quando vemos um filme assustador, o corpo entra numa resposta fisiológica de “luta ou fuga”. Mesmo sabendo que o perigo é fictício, o cérebro interpreta as imagens assustadoras e os sons intensos como uma ameaça. Isso desencadeia uma série de respostas físicas relacionadas com o medo: há um aumento do batimento cardíaco, aumentam os níveis de cortisol (a hormona do stress), a respiração acelera e o cérebro fica em alerta.
Como é que os filmes de terror afetam o sono?
Essas respostas fisiológicas podem durar algum tempo após o filme terminar, deixando-nos “ligados” e até inquietos e isso prejudicar o sono na noite seguinte. O corpo precisa de tempo para baixar os níveis de stress e voltar ao estado de repouso, o que nem sempre é fácil para todos!
Essa “sobrecarga” no sistema nervoso pode levar a um medo de ir para a cama, insónia, imagens mentais intrusivas do filme, além de poder provocar pesadelos. As imagens vívidas e intensas de filmes de terror ficam “presas” na memória, e o cérebro, durante o sono REM, pode revisitá-las em sonhos. Esse efeito é particularmente comum em pessoas mais jovens e em pessoas que tendem a processar essas experiências de forma mais intensa.
O tipo de terror também faz diferença. Filmes com muitos sustos repentinos (os famosos “jump scares“) mantêm o corpo em tensão constante, prolongando o estado de alerta mesmo após o término. Para muitos, isso pode significar sono fragmentado, dificuldade em alcançar o sono profundo e, consequentemente, uma menor recuperação física e mental.
Dicas para assistir a terror sem perder o sono
Para quem quer aproveitar o Halloween com um bom filme de terror, mas sem comprometer o descanso, seguem algumas dicas:
- Escolha filmes menos intensos: opte por filmes de suspense em vez de terror psicológico ou sobrenaturais;
- Evite assistir antes de dormir: assista ao filme durante o dia ou finalize pelo menos duas a três horas antes de dormir, permitindo que o corpo tenha tempo de relaxar;
- Pratique técnicas de relaxamento após o filme: faça uma atividade calma, como ler ou ouvir música, para ajudar o cérebro a “descomprimir” das emoções intensas. Se sentir que o filme aumentou a ansiedade, técnicas como respiração diafragmática ou relaxamento muscular progressivo ajudam a restaurar alguma tranquilidade.
Afinal, filmes de terror fazem mal à saúde mental?
Os filmes de terror são uma faca (palavra propositada!) de dois gumes: embora possam aumentar temporariamente o stress e afetar o sono, eles também podem proporcionar uma sensação de catarse, alívio e até resiliência emocional. A chave está no equilíbrio. Saber os nossos limites e escolher o tipo de filme que se adapta ao nosso nível de sensibilidade ajuda a evitar os impactos negativos. Pessoalmente, não gosto nada de filmes de terror, mas aprecio um bom thriller! Portanto, aproveite o Halloween sabendo que está em segurança e que, com algumas precauções, pode divertir-se sem prejudicar a saúde mental e o sono. Afinal, o que é o Halloween sem um bom susto?