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5 mudanças profundas e necessárias para um mundo sustentável e como alcançá-las

medidas para um mundo melhor

Perante as desigualdades e crises crescentes, alterações climáticas, perda de biodiversidade e poluição, parece consensual que é preciso mudar. E um novo relatório das Nações Unidas apresenta uma abordagem ousada a esta mudança.

O relatório de Riscos de Desastres Interligados de 2025, publicado pelo Instituto do Ambiente e da Segurança Humana da Universidade das Nações Unidas (UNU-EHS), muda o foco, passando da fase de diagnóstico dos problemas para a de mapear soluções. E parte do princípio que muitas das soluções atuais são apenas superficiais e que, para criar mudanças duradouras, precisamos de questionar as estruturas sociais e as mentalidades que perpetuam estes desafios.

“A sociedade está numa encruzilhada”, afirma Shen Xiaomeng, Diretor da UNU-EHS. “Há anos que os cientistas nos alertam para os danos que estamos a causar ao planeta e como travá-los. Mas não estamos a tomar medidas significativas. Sabemos que as alterações climáticas estão a agravar-se, mas o consumo de combustíveis fósseis continua a atingir níveis recorde. Já temos uma crise de resíduos, mas a projeção é de que o lixo doméstico duplique até 2050. Repetidamente, vemos o perigo à nossa frente, mas continuamos a caminhar na sua direção. Em muitos casos, vemos o abismo, sabemos como nos virar e, ainda assim, continuamos a caminhar com confiança na sua direção. Porquê?”

Para responder a esta questão, o relatório oferece uma análise mais holística e exemplos reais de mudanças positivas que foram feitas em todo o mundo e podem servir de modelo e fonte de inspiração.

A Teoria da Mudança Profunda

A edição anterior do relatório já tinha alertado para pontos de inflexão de risco irreversíveis e, este ano, os autores continuaram onde tinham deixado o último relatório, desenvolvendo um caminho a seguir: a Teoria da Mudança Profunda.

Esta teoria investiga as causas básicas dos problemas do mundo, identificando estruturas e pressupostos na sociedade que lhes permitem persistir.

Por exemplo, quando um rio fica tão obstruído com resíduos plásticos que causa inundações desastrosas, as pessoas podem criticar o sistema de gestão de resíduos e pedir mais reciclagem. No entanto, a Teoria da Mudança Profunda vai mais fundo: identifica primeiro as estruturas que permitem que o desperdício se acumule, como os artigos de utilização única ou os sistemas de produção em massa, e depois aprofunda as suposições que levaram à criação destes sistemas e que incentivam as pessoas a mantê-los a funcionar, como acreditar que “novo é melhor” ou que a produção e o consumo de materiais são um sinal de progresso.

Os cientistas relacionam o seu modelo com uma árvore, onde os resultados visíveis são os frutos, mas os problemas reais estão nas raízes: raízes podres produzem frutos podres.

A verdadeira mudança, sublinha o relatório, começa nas raízes. Sem repensar os valores e as mentalidades que sustentam estes sistemas, os próprios sistemas nunca mudarão.

Intervenções como a reciclagem ou a conservação continuarão a ser inadequadas porque são soluções superficiais que não abordam as causas básicas do desperdício e da perda de biodiversidade. A sociedade não pode sair da crise do plástico através da reciclagem sem questionar, em primeiro lugar, o porquê de se produzir tanto lixo plástico.

Caitlyn Eberle, uma das principais autoras do relatório, observa que “muitas pessoas estão a tentar mudar o mundo para melhor. Mas tentar fazer a coisa certa pode parecer um desafio impossível e, quando sentimos que as coisas não estão a ir na direção certa, é fácil sentirmo-nos derrotados. O nosso relatório mostra que muitas das ações que tomamos, por mais bem-intencionadas que sejam, não funcionarão enquanto houver todo um sistema a trabalhar contra nós. Precisamos de ir mais fundo, visualizar o mundo em que queremos viver e mudar as estruturas para corresponder a essa visão”.

As cinco mudanças urgentes para o mundo

O relatório descreve cinco áreas onde são urgentemente necessárias mudanças sistémicas profundas:

1. Repensar o desperdício: do lixo ao tesouro

O modelo mundial de “extrair-produzir-descartar” é insustentável, gerando dois mil milhões de toneladas de lixo doméstico anualmente, o suficiente para encher uma linha de contentores de transporte que daria a volta ao Equador 25 vezes.

O relatório apela a uma reformulação do conceito de “resíduo” e a uma mudança para uma economia circular que dê prioridade à durabilidade, à reparação e à reutilização. E alerta que a falha em manter os recursos em utilização também pode afetar a sua disponibilidade no futuro.

Por exemplo, o lítio, utilizado em baterias de artigos recarregáveis ​​como telefones, é consumido em grandes quantidades em todo mundo, mas raramente é reutilizado. Estima-se que as reservas de lítio estejam esgotadas por volta de 2050. Ao mesmo tempo, projeta-se que mais de 75% do lítio extraído até 2050 acabará no lixo. Estamos a esgotar as reservas de lítio enquanto deixamos o lítio que foi utilizado ser desperdiçado.

2. Realinhamento com a natureza: da separação à harmonia

A humanidade deve deixar de se ver como separada e superior à natureza. Os humanos tentaram controlar os processos naturais em vez de coexistir com eles, mas séculos de exploração levaram à desflorestação, à extinção de espécies e ao colapso dos ecossistemas.

Destruir a natureza destrói alguns dos recursos mais preciosos necessários para a sobrevivência humana, como ar e água limpos, alimentos ou materiais utilizados para abrigo.

Um exemplo no relatório é a canalização de rios, um processo que altera os rios para que fluam em linhas retas, para melhorar a navegabilidade, criar mais terras agrícolas ou proteger as cidades de inundações. Na década de 1960, o rio Kissimmee, na Florida, EUA, foi canalizado, secando cerca de 160 quilómetros quadrados de zonas húmidas e levando a um declínio maciço de espécies. Além disso, embora a canalização seja frequentemente feita para reduzir as inundações numa área, muitas vezes piora as inundações para as comunidades a jusante.

3. Reconsiderar responsabilidade: do eu para o nós

O mundo é um lar partilhado por mais de oito mil milhões de pessoas, mas os recursos e as oportunidades estão distribuídos de forma desigual. Esta disparidade estende-se também às emissões de gases com efeito de estufa e à forma como os impactos das alterações climáticas são sentidos.

As nações e os indivíduos mais ricos contribuem desproporcionalmente para as emissões, enquanto os mais pobres sofrem o impacto dos desastres relacionados com o clima. Um exemplo destacado no relatório é a compensação de carbono, onde os países ricos evitam metas climáticas ambiciosas ao equilibrar as suas próprias emissões através da plantação de árvores noutra parte do mundo, transferindo também os efeitos negativos para esses outros países (“colonialismo de carbono”).

O relatório apela a uma mudança do individualismo e do unilateralismo para a responsabilidade global coletiva, defendendo uma visão multilateral para o futuro.

4. Reimaginar o futuro: de segundos a séculos

O pensamento de curto prazo domina a tomada de decisões; como a sociedade tende a concentrar-se no aqui e agora, muitas vezes transferimos a responsabilidade para as gerações futuras.

As pessoas vivas hoje determinam as condições para os que ainda vão nascer e, em muitos aspetos, deixaremos às gerações futuras um mundo com mais desafios em vez de as prepararmos para o sucesso.

Um exemplo destacado no relatório é o lixo nuclear. Embora alguns vejam a energia nuclear como uma alternativa limpa e sustentável aos combustíveis fósseis, também produz resíduos radioativos com uma vida útil de mais de 100.000 anos. Atualmente, a humanidade não encontrou uma forma de eliminar adequadamente estes resíduos tóxicos, pelo que são frequentemente depositados em locais de armazenamento temporário, que apresentam riscos de contenção, na esperança de que as gerações futuras resolvam o problema.

5. Redefinir o valor: da riqueza económica à saúde planetária.

O mundo está a enriquecer, com o PIB mundial a aumentar, mas mais riqueza no mundo não significa mais prosperidade e bem-estar no mundo. Os benefícios não são partilhados de forma igual, e a saúde planetária está a piorar.

O relatório revela um desequilíbrio de valores em que o valor económico é geralmente colocado antes de outros. Um exemplo referido são as florestas, que sustentam a biodiversidade, bem como a saúde e o bem-estar humanos. No entanto, em alguns locais, as terras desmatadas são valorizadas até 7,5 vezes mais do que as terras florestadas, o que gera uma forte pressão económica sobre as florestas e a desflorestação.

O documento reconhece que são grandes os desafios para a mudança no mundo, mas defende que a chave para os ultrapassar reside em reconhecer que as mudanças positivas podem acontecer – e acontecem todos os dias -, e que os sistemas podem mudar porque são criados pelo homem.

“A mudança pode ser desconfortável, mas voltar atrás não resolverá os desafios de um mundo em rápida evolução”, afirma Zita Sebesvari, outra autora principal do relatório. “Este relatório não se trata apenas de evitar desastres – trata-se de romper com a mentalidade de meramente mitigar os danos. Limitamo-nos quando nos concentramos apenas em prevenir o pior, em vez de procurar o melhor. Ao abordar as causas profundas dos problemas, ao promover a cooperação em todo o mundo e ao acreditar no nosso poder coletivo, podemos moldar um mundo onde as gerações futuras não só sobrevivem, como prosperam. É tempo de repensar e, por fim, virar a página”, acrescenta.

 

Crédito imagem: Pexels

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