
Uma nova Declaração de Consenso Clínico da Sociedade Europeia de Cardiologia apela a uma maior sensibilização para a relação entre as condições de saúde mental e as doenças cardiovasculares para melhorar a saúde dos doentes. Recomenda, por isso, que os sintomas de saúde mental sejam sistematicamente rastreados durante o tratamento cardiovascular, e que o risco cardiovascular seja rotineiramente avaliado para aqueles que estão a ser tratados para problemas de saúde mental.
Embora a saúde mental deficiente possa ser um fator que contribui para as doenças cardiovasculares, as pessoas que vivem com doenças cardiovasculares também apresentam um maior risco de problemas de saúde mental. Os doentes que apresentam simultaneamente doenças cardiovasculares e problemas de saúde mental apresentam piores resultados de saúde.
A Declaração de Consenso foi produzida por um painel internacional de especialistas que inclui os copresidentes Héctor Bueno, do Centro Nacional de Investigação Cardiovascular de Espanha e Christi Deaton, da Universidade de Cambridge, Reino Unido.
“Queremos sensibilizar para a relação multidirecional entre a saúde mental e as doenças cardiovasculares. Uma aumenta o risco da outra, e os indivíduos com ambas as condições apresentam piores resultados e os maiores impactos negativos na saúde. Neste documento de consenso, resumimos o que sabemos sobre como prevenir ou minimizar resultados negativos, mas também destacamos lacunas significativas no nosso conhecimento que precisam de ser abordadas com urgência”, explica Christi Deaton.
Recomendações e medidas a adotar
A nova Declaração de Consenso recomenda ainda que a saúde mental e os fatores de risco psicossociais passem a fazer parte das avaliações de risco cardiovascular para indivíduos saudáveis.
E aconselha mudanças significativas no atendimento clínico cardiovascular, o que inclui a criação de Equipas Psicocardiográficas, ou seja, equipas multidisciplinares para tratar doentes que incluem profissionais de saúde mental, como psicólogos ou psiquiatras, trabalhando em conjunto com profissionais de saúde cardiovascular, integradas no tratamento padrão e adaptadas às necessidades locais.
A Declaração de Consenso propõe uma mudança cultural para tratar a combinação mortal de condições de saúde mental e doenças cardiovasculares, envolvendo melhorias nos cuidados prestados aos doentes, como o reconhecimento, por parte dos profissionais, da complexa relação entre a saúde mental e as doenças cardiovasculares, trabalhando em conjunto para integrar ambas as áreas de cuidados e, assim, defendendo mudanças para implementar cuidados mais integrados, centrados na pessoa e adaptados às circunstâncias individuais.
Isto representaria uma mudança significativa, dado que a maioria dos modelos atuais de cuidados cardiovasculares não considera a saúde mental como um objetivo principal.
“A prática clínica cardiovascular ignora frequentemente o impacto da saúde mental e a importância da sua inclusão nos cuidados. Precisamos de ver os profissionais de saúde cardiovascular a desenvolver colaborações com os profissionais de saúde mental nas Equipas de Psicocardiografia para ajudar a identificar precocemente as condições de saúde mental nos nossos doentes e melhorar os cuidados e o apoio aos doentes e aos seus prestadores de cuidados”, afirma Héctor Bueno.
“Recomendamos que a saúde mental seja ativamente considerada nas consultas clínicas e que o rastreio das condições de saúde mental passe a fazer parte da avaliação dos doentes a intervalos regulares. Defendemos também o apoio psicológico aos cuidadores.”
“Recomendamos ainda que a saúde mental seja ativamente considerada nas consultas clínicas e que o rastreio das condições de saúde mental passe a fazer parte da avaliação dos doentes a intervalos regulares. Defendemos também o apoio psicológico aos cuidadores”, concluiu.
A Declaração de Consenso descreve problemas como a falta de sensibilização por parte dos profissionais de saúde sobre a prevalência de condições de saúde mental na população e o impacto desta no aumento do risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares e uma apreciação limitada entre os profissionais de saúde sobre a incidência e prevalência de condições de saúde mental em pessoas com doenças cardiovasculares e o impacto desta na qualidade de vida, na adesão terapêutica e nos resultados de saúde. E descreve também lacunas substanciais no conhecimento sobre a interação entre a saúde mental, a saúde cardiovascular e as doenças.
Isto inclui a falta de protocolos baseados em evidências para:
- Apoiar a saúde mental na população em geral para reduzir o risco de doença cardiovascular;
- Rastrear pessoas com problemas de saúde mental para detetar doenças cardiovasculares;
- Tratar problemas de saúde mental em pessoas com doenças cardiovasculares.
A falta de provas sobre a melhor forma de apoiar as pessoas que vivem com problemas de saúde mental graves é particularmente significativa, incluindo a melhor forma de prevenir as doenças cardiovasculares nas pessoas que vivem com doenças mentais graves e a melhor forma de cuidar das pessoas que têm problemas de saúde mental graves e doenças cardiovasculares. É também necessário recalibrar as pontuações de risco cardiovascular para aqueles que vivem com doenças mentais graves.
As pessoas com doença mental grave apresentam um maior risco de desenvolver arritmias supraventriculares e ventriculares, que podem eventualmente levar à morte súbita cardíaca. Um aumento de risco que é causado por múltiplos fatores, incluindo o sofrimento resultante da sua condição de saúde mental, a elevada prevalência de fatores de risco, o estilo de vida pouco saudável e, potencialmente, alguns medicamentos.
“Esperamos que a Declaração de Consenso desencadeie uma mudança que capacite os doentes para se sentirem aptos para discutir a sua saúde mental com os profissionais da área cardiovascular e que tenham mais hipóteses de que esta seja levada a sério. Isto significa ter acesso à avaliação, ao tratamento e ao apoio necessários para melhorar a sua saúde mental em tempo útil”, concluiu Deaton.