Inês Tralha, fundadora da Good Surf Good Love, treinadora de surf há 24 anos e professora de Educação Física, não tem dúvidas dos benefícios da prática de surf para a saúde, a física e a mental. Aqui, explica como e deixa conselhos para uma vida mais saudável.
Tendo em conta o stress e a agitação do dia-a-dia, pode o surf ser uma ferramenta para aumentar o bem-estar geral?
Sem dúvida! O surf, como qualquer tipo de exercício organizado, e traduzido numa prática regular e contínua, é uma excelente arma contra o stress e ainda promove a saúde física e mental. Ao ser praticado ao ar livre e no mar, acrescenta benefícios se o objetivo for a busca de sensações de bem-estar. Mas nada se consegue com práticas pontuais. Os melhores resultados só são possíveis com uma prática regular e contínua. Caso contrário, não poderemos verificar resultados verdadeiramente eficientes e definitivos.
De que forma?
O surf, tal como outras atividades físicas, promove a vida pelo simples facto de induzir movimento. Além disso, como referi anteriormente, é uma atividade que envolve tanto o corpo como a mente, o que traz vários benefícios. Na vertente física, por exemplo, as remadas repetidas, o mergulhar por baixo das ondas, tudo isto acaba por ser um exercício intenso, que impacta positivamente a saúde. Além disso, a exposição solar traz benefícios que vão além da produção de vitamina D.
Já a nível mental, o surf é uma ótima maneira de nos desconectarmos do que está à nossa volta e de reduzir o stress do dia-a-dia. Sem mencionar, a sensação única de liberdade e de conexão com a natureza, que nos acalma a mente.
Que tipo de bem-estar pode proporcionar?
A prática do surf pode ser vista ou vivida de diferentes formas. Há quem escolha esta como a sua modalidade principal e, como tal, faz uma prática regular de cerca de quatro ou mais vezes por semana, ou quem a pratique por lazer ou diversão pontual, para ter contacto com o mar, ou fazer uma atividade na praia.
Na primeira situação, por ser uma prática regular, irá traduzir, além do prazer de cada sessão de contacto com a natureza, o acumular de benefícios relativos à prática regular. Estes são os habituais benefícios que todos ouvimos falar. Melhora o sistema imunitário, cardiovascular, circulatório, fortalece músculos, tendões, ligamentos e articulações, desce da frequência cardíaca de repouso, aumenta a força e resistência relacionada com os movimentos repetitivos da remada, melhora o equilíbrio e a agilidade. Além disso, com a exposição solar e o contato com o mar, voltamos para casa cansados e com maior sensação de bem-estar, felizes, predispostos a um sono mais regenerador.
No segundo caso, em que a prática desta modalidade não é regular e contínua, não podemos, obviamente, usufruir de efeitos cumulativos, mas podemos contar com a sensação de bem-estar, por termos estado naquele dia no mar, a praticar exercício físico.
Há estudos científicos nesse sentido?
Sim, há já vários estudos e artigos científicos sobre os benefícios da prática de surf. Recentemente, em 2021, um artigo de revisão sistemática reuniu 51 artigos que permitiram concluir que existem evidências sobre os efeitos positivos do surf na saúde mental. Existem, também, artigos sobre a influência do exercício físico na depressão e relação com consumo de antidepressivos, em crianças e adultos.
Estão, na sua opinião, os portugueses despertos para a importância da prática desportiva para uma melhor saúde mental?
Portugal tem um baixo nível de literacia em saúde. Todos sempre ouvimos dizer que se deve comer bem, fazer exercício, beber água, não fumar nem beber álcool, dormir bem, ser feliz. Está aqui a receita de uma vida longa, com qualidade na longevidade e, na minha opinião, com sentido. Agora, o que é comer bem? O que é fazer exercício? O que é ser feliz? Teríamos de entrar em filosofias temáticas. Soubessem algumas pessoas o que é sentir um corpo são, estou certa que não o quereriam débil, como, muitas vezes, sem saber, acabam por ter.
Assim, por um lado, parece haver mais interesse em praticar atividades de ar livre, mas não conheço evidências documentadas. Por outro lado, temos metade da população sedentária. Não pode ser um bom presságio de saúde num futuro próximo.
E depois, que promoção de saúde temos em Portugal? Vivemos a época de maior taxa de suicídio em jovens, maior taxa de consumo de antidepressivos, temos uma população com déficit de vitamina D. Contudo, Portugal é o país da Europa com maior exposição solar ao longo dos 12 meses, o que faz com que seja um país ótimo para a prática de exercício físico, contribuindo, assim, para uma melhor saúde.
Quem é que procura mais a sua escola com este objetivo, ou seja, o de combater o stress através do surf: homens ou mulheres, idade, porque é que decidiram procurar a sua escola, etc?
Hoje em dia, a sensação que tenho é que temos cada vez menos crianças a praticar surf. Penso que esta questão poderá também estar relacionada com o aumento do custo de vida, o que obriga as pessoas a ter de fazer escolhas. É uma situação compreensível, mas, por outro lado, lamento, uma vez que é muito importante a prática regular de exercício físico.
Por outro lado, temos também homens e mulheres, entre os 30 e os 50+, que, de uma forma geral, praticam surf entre uma a quatro vezes por semana, procurando a tal prática regular e uma fuga à cidade ou ao stress da semana. Voltam para casa felizes, já a perguntar a data e hora da próxima sessão.
O que é preciso para se ser um praticante de surf? Há características que a pessoa deve ter ou pode qualquer um aspirar a ser praticante?
Para ser praticante de surf é só preciso praticar. Na Good Surf Good Love somos só um bocadinho mais exigentes. Para nós, ser surfista não é ir ao mar só no verão ou quando está calor ou sol. Ser surfista é ter paixão pela prática, pela praia e pelo mar e ser feliz ali, faça chuva ou faça sol. Mas não há requisitos, pelo menos para nós. Gostamos de puxar pelas pessoas, que elas se divirtam e não pensem em coisas más quando estão a surfar.
Trata-se de uma modalidade acessível ou é ainda para elites (nomeadamente tendo em conta os custos associados ao material necessário)?
Para começar, é necessário pensar que existem custos associados aos anos de formação, não só técnica, mas eventualmente, no caso das boas escolas, investimentos em formação académica e contínua.
Há todo o tipo de ofertas. Numa atividade ainda muito pouco fiscalizada, encontram-se muito facilmente escolas a oferecer os seus serviços que, por não fazerem a sua contribuição autónoma, poupam o consumidor das suas taxas sociais. Existem escolas muito baratas e acessíveis a quem vive perto da praia. Depois existem alguns clubes que, por poderem usufruir de apoios, apresentam projetos muito interessantes, ao longo da nossa costa, que permitem a prática mais abrangente. Existem, inclusive, escolas que conseguem incluir, no seu currículo de Educação Física ou de Atividade de Enriquecimento Curricular, o surf como prática para todas as crianças. Temos um país incrível, cheio de sol, à beira mar plantado, onde todos os europeus querem viver.