As pessoas com perda auditiva que não usam aparelhos auditivos podem ter um risco mais elevado de demência do que as pessoas sem perda auditiva, sugere um novo estudo publicado na revista The Lancet Public Health. Contudo, a utilização de um aparelho auditivo pode reduzir este risco para o mesmo nível que as pessoas sem perda de audição.
A demência e a perda de audição são problemas comuns entre os adultos mais velhos. A Lancet Commission on dementia prevention, intervention, and care, publicada em 2020, sugeriu que a perda de audição pode estar associada a cerca de 8% dos casos de demência a nível mundial, pelo que a abordagem da deficiência auditiva pode ser uma forma importante de reduzir a carga global da demência.
“A evidência está a validar que a perda de audição pode ser o fator de risco modificável mais impactante para a demência a meio da vida, mas a eficácia da utilização de aparelhos auditivos na redução do risco de demência no mundo real tem permanecido pouco clara”, refere Dongshan Zhu, professor da Universidade de Shandong, na China e um dos autores do trabalho.
“O nosso estudo fornece as melhores provas até à data para sugerir que os aparelhos auditivos podem ser um tratamento minimamente invasivo e rentável para mitigar o potencial impacto da perda de audição na demência”, acrescenta.
Os investigadores analisaram dados de 437.704 pessoas, cerca de três quartos das quais não apresentavam perda de audição, com um quarto a manifestar algum nível de perda auditiva. E, destes, 11,7% utilizavam aparelhos auditivos.
O estudo sugere que, em comparação com os participantes com audição normal, as pessoas com perda auditiva que não usavam aparelhos tinham um risco 42% mais elevado de demência, risco esse que não foi encontrado para as pessoas com perda auditiva mas que usavam aparelhos.
“A perda de audição pode começar cedo, na casa dos 40 anos, e há provas de que o declínio cognitivo gradual antes de um diagnóstico de demência pode durar 20 a 25 anos. As nossas conclusões salientam a necessidade urgente da introdução precoce de aparelhos auditivos quando alguém começa a sofrer de deficiência auditiva”, refere Dongshan Zhu.
“É necessário um esforço de grupo de toda a sociedade, incluindo a sensibilização para a perda de audição e as potenciais associações à demência, aumentando o acesso aos aparelhos auditivos através da redução de custos, e mais apoio aos trabalhadores dos cuidados primários para rastrear a deficiência auditiva, aumentar a sensibilização e fornecer tratamentos como aparelhos auditivos adequados.”
O impacto dos aparelhos auditivos
Os investigadores analisaram ainda como outros fatores, incluindo a solidão, isolamento social e sintomas depressivos, poderiam ter impacto na associação entre perda auditiva e demência. Análise que sugere que cerca de 8% da associação entre o uso de aparelhos auditivos e a diminuição do risco de demência poderia ser removida através da melhoria dos problemas psicossociais. Os autores dizem que isto indica que a associação entre a utilização de aparelhos auditivos e a proteção contra o aumento da demência se deve provavelmente sobretudo aos efeitos diretos dos aparelhos auditivos e não às causas indiretas investigadas.
“As vias subjacentes que podem ligar a utilização de aparelhos auditivos à redução do risco de demência não são claras. É necessária mais investigação para estabelecer uma relação causal e a presença de vias subjacentes”, refere Fan Jiang, outro dos autores do estudo.
Os autores reconhecem algumas limitações ao estudo, que é observacional. No entanto, Gill Livingston e Sergi Costafreda, especialistas do University College London que não estiveram envolvidos nesta investigação, considera que este trabalho sugere que “os aparelhos auditivos são uma ferramenta poderosa para reduzir o risco de demência em pessoas com perda auditiva”.
Para estes investigadores, “a demência não é apenas uma doença que afeta o indivíduo e a sua família, mas também pode ser dispendiosa. No entanto, a utilização de aparelhos auditivos para prevenir a demência tem sido considerada rentável e económica. As provas são convincentes de que o tratamento da perda auditiva é uma forma promissora de reduzir o risco de demência. Este é o momento de aumentar a consciência e a deteção da perda de audição, bem como a aceitabilidade e a usabilidade dos aparelhos auditivos”.