
Apesar dos progressos em algumas áreas, a Região Europeia da Organização Mundial de Saúde (OMS), que tem alguns dos sistemas de saúde mais fortes do mundo, está em grande parte estagnada ou mesmo em retrocesso numa série de indicadores, desde a saúde infantil e dos adolescentes às doenças crónicas. O alerta vem do Relatório Europeu de Saúde da OMS, que se baseia nos dados mais recentes disponíveis em todos os 53 Estados-membros da Europa e da Ásia Central.
Publicado a cada três anos, o Relatório Europeu de Saúde traça o quadro mais abrangente da saúde em toda a região, fornecendo indicadores claros sobre o caminho a seguir numa altura em que a desinformação perigosa, a crise na força de trabalho de saúde, o rápido envelhecimento populacional e as alterações climáticas estão a ter impacto na saúde como nunca antes.
Embora a Região Europeia, no seu todo, tenha algumas das taxas mais baixas de mortes infantis evitáveis do mundo, a diferença entre os países com melhor e pior desempenho é enorme, variando entre 1,5 mortes por 1.000 nados-vivos e 40,4. Fechar esta lacuna continua a ser um desafio.
Analisando os dados mais recentes disponíveis sobre a mortalidade de crianças com menos de cinco anos em todos os 53 Estados-Membros, verifica-se que 75.647 crianças morreram antes do seu 5.º aniversário em 2022. E as cinco principais causas são as complicações no parto prematuro, asfixia no parto, anomalias cardíacas congénitas, infeções respiratórias inferiores, sépsis neonatal e outras infeções.
Há, por isso, preocupações adicionais com a saúde das crianças e adolescentes, tendo em conta que um em cada cinco adolescentes desta região enfrenta um problema de saúde mental, que o suicídio é a principal causa de morte entre os jovens dos 15 aos 29 anos e que as raparigas relatam consistentemente níveis mais baixos de bem-estar mental face aos rapazes.
Os dados revelam ainda que 15% dos adolescentes sofreram cyberbullying recentemente e que um em cada 10, com idades entre os 13 os 15 anos, usa algum tipo de produto de tabaco, incluindo cigarros eletrónicos.
Quase uma em cada três crianças em idade escolar tem excesso de peso e uma em cada oito vive com obesidade.
“No nosso mundo online e interligado, os nossos jovens estão ironicamente a sentir-se mais solitários do que nunca, com muitos a lutar contra o seu peso e autoconfiança, o que os prepara para uma saúde precária quando adultos”, refere Hans Henri P. Kluge, Diretor Regional da OMS para a Europa.
“É, por isso, que, no final deste ano, a OMS/Europa e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) apresentarão a todos os 53 Estados-Membros da Região Europeia da OMS uma nova estratégia de saúde infantil e adolescente para adoção.”
Mortes evitáveis por doenças não transmissíveis
A Região Europeia tem feito grandes progressos no combate às doenças não transmissíveis, de longe a maior causa de morte na região. Pelo menos 10 Estados-Membros atingiram a meta da OMS de uma redução de 25% da mortalidade prematura provocada pelas quatro principais doenças não transmissíveis. Mas, de um modo geral, uma em cada seis pessoas ainda morre antes de completar 70 anos de doença cardiovascular, cancro, diabetes ou doenças respiratórias crónicas.
As doenças cardiovasculares são responsáveis por 33,5% (um terço) das mortes prematuras por doenças não transmissíveis na Região; o cancro causa outro terço (32,8%) das mortes prematuras.
A região europeia apresenta ainda o maior consumo de álcool do mundo, com uma média de 8,8 litros de álcool puro por adulto por ano. Atualmente, a ingestão é mais elevada na União Europeia e mais baixa nos países da Ásia Central.
O consumo de tabaco entre os adultos continua elevado, 25,3% no geral, o que revela que a região não está no bom caminho para atingir a meta de redução de 30% do tabagismo até 2025.
“As doenças não transmissíveis ainda não recebem a atenção que merecem, apesar de serem responsáveis por 90% de todas as mortes na nossa região”, observa Kluge.
O problema das alterações climáticas
A região europeia da OMS é a que apresenta o aquecimento mais rápido entre as seis regiões da OMS, com as temperaturas a subirem cerca do dobro da taxa média global. Em toda a região, estima-se que ocorram 175.000 mortes relacionadas com o calor anualmente. Além disso, é importante reconhecer o impacto do próprio setor da saúde no ambiente: em 2020, foi responsável por aproximadamente 5% das emissões globais de gases com efeito de estufa.
As taxas de vacinação têm estado abaixo do ideal nos últimos anos, num ambiente de crescente sentimento anti-vacinas alimentado pela desinformação, que levou ao ressurgimento de doenças preveníveis: em 2023, registaram-se 58.000 casos de sarampo em 41 Estados-Membros da Região Europeia, um aumento impressionante de 30 vezes em relação ao ano anterior.
Entretanto, o sucesso no tratamento da tuberculose na Região Europeia deve ser celebrado, com uma redução de 25% na sua incidência e uma diminuição de 32% nas mortes por tuberculose entre 2015 e 2022.
Apesar disso, a tuberculose resistente aos medicamentos continua a ser um problema crescente. Estes casos, difíceis de tratar, representam um quarto dos novos casos e a sua taxa de sucesso no tratamento está muito abaixo da meta de 80%.
Além disso, cerca de três milhões de pessoas vivem com VIH na Região Europeia. E embora a taxa de infeção por VIH diagnosticado tenha diminuído de 16,4 para 12,4 por 100.000 entre 2013 e 2022 em toda a Região, apenas 72% dos infetados estão cientes do seu estado e apenas 63% recebem terapêutica antirretroviral vital.
Alzheimer e outras demências
A demência é uma das principais causas de dependência e incapacidade entre os idosos. Nas últimas décadas, tem-se registado um aumento acentuado da proporção de mortes causadas pela doença de Alzheimer e outras demências.
“À medida que os recursos financeiros e humanos são cada vez mais limitados, o acesso aos cuidados de saúde torna-se mais difícil”, explicoa Natasha Azzopardi-Muscat, Diretora de Políticas e Sistemas de Saúde Nacionais da OMS/Europa.
“Isto afeta particularmente as famílias de baixo rendimento. Nos nossos 53 Estados-Membros, a proporção de famílias que enfrentam gastos catastróficos em cuidados de saúde varia entre menos de 1% e mais de 21%. Em 25 Estados-Membros, estima-se que 5% dos agregados familiares enfrentem gastos catastróficos em cuidados de saúde, o que significa que os custos os impedem de satisfazer outras necessidades básicas, como a alimentação e a energia. Garantir uma vida inteira de boa saúde significa investir estrategicamente nos sistemas de saúde para garantir que a cobertura é genuinamente universal.”