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A esperança de detectar a doença de Parkinson muito mais cedo com um simples scan cerebral

doença de parkinson

Uma equipa internacional, liderada por investigadores da Fundação Champalimaud (FC), demonstrou, pela primeira vez de forma realista, que pode ser possível diagnosticar a doença de Parkinson anos antes de esta se tornar intratável. Como? Através da realização de exames de imagiologia cerebral.

Já se sabe há algum tempo que parte das pessoas que estão a desenvolver, lentamente, a doença de Parkinson, mas que ainda são assintomáticas, se queixam da perda do olfato. Isso pode acontecer cinco a 10 anos antes de ficarem realmente doentes e apresentarem todos os sintomas da doença: lentidão nos movimentos, tremores em repouso, rigidez e instabilidade postural.

A importância deste tipo de deficiência sensorial não tem sido objeto de muita investigação. Além disso, embora muitas pessoas relatem perda do olfato, apenas algumas delas desenvolverão doença de Parkinson, o que significa que a deficiência olfativa por si só não é um biomarcador específico da doença.

No entanto, o que também acontece é que as pessoas que desenvolvem a doença, e doenças relacionadas, podem ainda ter défices visuais e até alucinações – e é aqui que poderá haver espaço para biomarcadores mais fiáveis.

Agora, pela primeira vez, Noam Shemesh, líder do laboratório de Ressonância Magnética Pré-clínica da FC, e a sua equipa, juntamente com Tiago Outeiro, neurocientista e especialista em Parkinson do Centro Médico Universitário de Göttingen, uniram esforços e demonstraram que a avaliação simultânea destas duas (e talvez outras) deficiências sensoriais no cérebro poderia fornecer um biomarcador robusto e precoce para a doença de Parkinson. E quanto mais precoce for o diagnóstico, maiores serão as hipóteses de desenvolver tratamentos eficazes.

Ressonância magnética funcional

Utilizando um scanner de ressonância magnética experimental de campo ultra-alto instalado no laboratório de Shemesh, os investigadores submeteram um modelo animal de ratinhos com doença de Parkinson a uma técnica chamada ressonância magnética funcional (IRMf).

Para se ter uma ideia do poder da máquina experimental, esta gera um campo magnético de 9,4 Tesla (enquanto as máquinas de utilização clínica normalmente atingem apenas 3 Tesla). Isso melhora substancialmente as imagens obtidas e permite uma visão clara das estruturas cerebrais no pequeno cérebro do ratinho.

Os ratinhos transgénicos usadosapresentavam níveis elevados de uma proteína humana chamada alfa-sinucleína, proteína que se acredita que desempenha um papel importante na doença de Parkinson, uma vez que tende a acumular-se e a formar inclusões, incluindo na substancia nigra – a região do cérebro que produz dopamina e cuja degeneração progressiva é responsável pelas deficiências motoras nesta doença.

“Os agregados de alfa-sinucleína espalham-se a seguir para outras regiões do cérebro e afetam as áreas motoras”, explica Ruxanda Lungu, uma das primeiras autoras do estudo.

“Este modelo em ratinhos é muito útil”, diz Outeiro, “porque produz o tipo humano de alfa-sinucleína”. Além disso, o comportamento dos ratinhos denota uma perturbação do sentido do olfato – e também se pensa que estes animais sofrem de deficiência visual.

“A grande maioria dos estudos de IRMf em modelos animais tem-se focado num único sentido”, observa Shemesh. “Nós analisámos as modalidades sensoriais visual e olfativa, o que é bastante raro em experiências de IRMf.”

A ressonância magnética funcional é utilizada para ver quais as áreas do cérebro animal (ou humano) que são ativadas em determinadas condições – neste caso, quando os animais são expostos a cheiros ou estímulos visuais. Nas imagens obtidas do cérebro inteiro, diversas áreas “acendem-se” em resposta à estimulação, devido a alterações no fluxo sanguíneo e na oxigenação impulsionadas pela actividade neural.

Os investigadores começaram por comparar, utilizando exames por IRMf, a atividade no cérebro de ratinhos vivos que produziam emaranhados de alfa-sinucleína com a de ratinhos dos mesmos progenitores que não os produziam. Os animais tinham cerca de nove meses de idade, o que corresponde a um estadio intermediário do desenvolvimento da DP.

E, de facto, as principais análises, conduzidas por Francisca Fernandes, também primeira autora do estudo, mostraram que os ratinhos do grupo de controlo apresentavam uma atividade normal nas áreas correspondentes do cérebro, enquanto nos ratinhos com doença de Parkinson havia muito menos atividade.

No entanto, o problema com a IRMf é que “não deteta a atividade neural em si”, diz Shemesh. “Como depende das interações entre a atividade neural e as propriedades vasculares, deteta uma combinação complexa de ambos os efeitos.” Ora, no presente estudo, era fundamental distinguir esses dois componentes para conseguir visualizar os efeitos puramente neurais da doença. “É muito, muito difícil fazer isso com a IRMf”, salienta Shemesh.

Por isso, a equipa teve de recorrer, também, a outras abordagens.

Biomarcadores precoces para a doença de Parkinson

“Tanto quanto sabemos, esta é a primeira observação de uma aberração sensorial visual e olfativa conjunta na atividade cerebral de modelos de roedores com DP em geral e no modelo da alfa-sinucleína em particular”, escrevem os autores no seu artigo. “Isto oferece uma oportunidade para estudos futuros investigarem como os défices sensoriais progridem ao longo da doença – e talvez conduzam a biomarcadores de imagem precoces (…).”

“Partindo do princípio de que os efeitos da alfa-sinucleína no cérebro dos ratinhos e no cérebro humano são semelhantes, o que é uma suposição razoável, uma das coisas que poderíamos fazer agora seria analisar os sinais de ressonância magnética funcional no cérebro de pessoas que relatam algum tipo de anosmia [perda do olfato], bem como as suas respostas visuais”, explica Shemesh. “E se viéssemos a observar algo estranho em ambas as modalidades sensoriais, isso poderia significar que há algo mais global a acontecer nos circuitos neurais dessas pessoas e que precisamos de fazer um seguimento da situação.”

“A grande vantagem deste método é ser verdadeiramente não invasivo e fácil de realizar”, diz Outeiro. “Poderá vir a ser mais uma ferramenta para diagnosticar e classificar a doença de Parkinson, algo que é urgentemente necessário», acrescenta.

“Acho que este trabalho é uma boa primeira demonstração do facto de ser possível detetar deficiências multisensoriais no cérebro de forma bastante robusta”, conclui Shemesh. ”E isso dá-nos alguma esperança de que, em estudos futuros, surjam outros indicadores que também possamos observar, para determinar quais os tratamentos que podem ajudar se forem administrados precocemente.”

Os resultados do estudo, financiado pelo Prémio Mantero Belard, no valor de 200.000 euros, um prémio de neurociência atribuído pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, foram publicados no Journal of Cerebral Blood Flow and Metabolism.

Crédito imagem: iStock

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