O risco de morte é seis vezes maior entre os doentes que apresentam falta de ar após serem internados no hospital, revela uma investigação no ERJ Open Research. Já os doentes que sentiam dor não apresentaram maior probabilidade de morrer. O estudo, que envolveu quase 10 mil pessoas, sugere que perguntar aos doentes se estão a sentir falta de ar pode ajudar os médicos e enfermeiros a direcionar os cuidados para aqueles que mais precisam.
Trata-se do primeiro estudo, liderado pelo professor do Beth Israel Deaconess Medical Center, da Harvard Medical School, nos EUA, que afirma: “a sensação de dispneia, ou desconforto respiratório, é um sintoma realmente desagradável. Algumas pessoas descrevem-na como uma sensação de falta de ar ou de asfixia. No hospital, os enfermeiros pedem frequentemente aos doentes que avaliem qualquer dor que estejam a sentir, mas este não é o caso da dispneia. Em pesquisas anteriores, demonstrámos que a maioria das pessoas é boa a avaliar e a relatar este sintoma, mas há poucas evidências de que esteja relacionado com a gravidade da doença em doentes hospitalizados”.
Trabalhando com enfermeiros do Beth Israel Deaconess Medical Center, que documentavam a dispneia relatada pelos doentes duas vezes por dia, os investigadores descobriram que era viável pedir aos doentes hospitalizados que classificassem a sua dispneia de 0 a 10, da mesma forma que classificam a sua dor. Fazer a pergunta e registar a resposta demorava apenas 45 segundos por doente.
Os investigadores analisaram a falta de ar e a dor relatadas pelos doentes em 9.785 adultos internados no hospital entre março de 2014 e setembro de 2016 e compararam estes dados com os desfechos, incluindo os óbitos, nos dois anos seguintes.
Os resultados mostraram que os doentes que desenvolveram falta de ar no hospital tinham seis vezes mais probabilidades de morrer no hospital do que os doentes que não sentiam falta de ar. E quanto maior a intensidade da falta de ar referida pelos doentes, maior o risco de morte. Os doentes com dispneia também apresentaram maior probabilidade de necessitar de cuidados por uma equipa de resposta rápida e de serem transferidos para a Unidade de Cuidados Intensivos.
Risco real de morte
Vinte e cinco por cento dos doentes que sentiam falta de ar em repouso quando tinham alta do hospital morreram no prazo de seis meses, em comparação com 7% de mortalidade entre aqueles que não sentiram dispneia durante o internamento. Por outro lado, os investigadores não encontraram qualquer ligação clara entre a dor e o risco de morte.
“É importante salientar que a dispneia não é uma sentença de morte – mesmo nos grupos de maior risco, 94% dos doentes sobrevivem à hospitalização e 70% sobrevivem pelo menos dois anos após a alta”, refere Banzett.
“Mas saber quais os doentes que estão em risco com uma avaliação simples, rápida e barata deve permitir um atendimento mais individualizado. Acreditamos que pedir rotineiramente aos doentes que avaliem a sua falta de ar levará a um melhor controlo deste sintoma, muitas vezes assustador. A sensação de dispneia é um alerta de que o corpo não está a receber oxigénio suficiente e a eliminar dióxido de carbono em quantidade adequada. Os sensores por todo o corpo, nos pulmões, coração e outros tecidos, evoluíram para relatar o estado do sistema em todos os momentos e fornecer um alerta precoce de falha iminente, acompanhado por uma forte resposta emocional.”
Quanto à dor, o especialista consodera que é também “um sistema de alerta útil, mas geralmente não indica uma ameaça existencial. Se bater com um martelo no dedo, provavelmente classificará a sua dor como 11 numa escala de 0 a 10, mas não há ameaça à sua vida. É possível que tipos específicos de dor, por exemplo, dor nos órgãos internos, possam prever a mortalidade, mas esta distinção não é feita no registo clínico das classificações da dor”.
Importante sinal de alerta
Os investigadores afirmam que as suas descobertas devem ser confirmadas noutros tipos de hospitais noutras partes do mundo e que são necessárias pesquisas para demonstrar se pedir aos doentes que classifiquem a sua falta de ar leva a melhores tratamentos e resultados. “Este último é um estudo difícil de realizar porque o simples conhecimento do estado de dispneia de um paciente levará os médicos a tomar alguma providência, e não se pode dizer-lhes para não o fazerem apenas para ter um grupo de controlo para o estudo. Estou reformado e o meu laboratório está fechado, mas espero que outros deem continuidade a este trabalho. Estou confiante de que algum jovem inteligente conseguirá encontrar a solução”, acrescenta Banzett.
Hilary Pinnock, presidente do Conselho de Educação da Sociedade Respiratória Europeia, refere que, “historicamente, a monitorização dos sinais vitais em doentes hospitalizados inclui a frequência respiratória, juntamente com a temperatura e a frequência cardíaca. Na era digital, alguns questionam o valor desta rotina que exige muita mão-de-obra, pelo que é interessante ler sobre a associação da falta de ar subjetiva com a mortalidade e outros desfechos adversos”.
“A falta de ar foi avaliada numa escala de 0 a 10, que demorou menos de um minuto a ser aplicada. Estas descobertas notáveis deverão estimular mais investigação para compreender os mecanismos subjacentes a esta associação e como este ‘poderoso sinal de alerta’ pode ser aproveitado para melhorar os cuidados prestados aos doentes”, conclui.
Cláudia Almeida Vicente, presidente do grupo de Clínica Geral e Cuidados Primários da Sociedade Respiratória Europeia e médica de família em Portugal, explica que “sentir falta de ar pode ser um sintoma muito desagradável e pode ser causado por uma variedade de problemas, incluindo asma, infeção pulmonar, doença pulmonar obstrutiva crónica e até insuficiência cardíaca. Este estudo realça como uma simples avaliação da dispneia pode servir como um forte sinal de alerta precoce de deterioração clínica. O aparecimento de falta de ar durante o internamento apresentou um risco especialmente elevado, muito superior ao associado à dor. Para as equipas de internamento, qualquer aumento da dispneia deve motivar uma reavaliação rápida e uma monitorização mais rigorosa”.
“Do ponto de vista dos cuidados primários, a elevada mortalidade em dois anos em doentes com dispneia que receberam alta hospitalar sinaliza a necessidade de um seguimento pós-hospitalar mais rigoroso”, acrescenta. “Estes doentes podem beneficiar de consultas precoces, revisão da medicação e gestão proactiva das doenças cardiopulmonares. Uma avaliação rápida da dispneia oferece um importante valor prognóstico e deve orientar tanto as decisões durante o internamento como o planeamento ambulatório.”















