Uma equipa do Serviço de Urologia do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPO Lisboa) realizou, pela primeira vez, uma cistoprostatectomia radical – remoção da bexiga, da próstata e dos gânglios pélvicos – por via laparoscópica, num doente com cancro da bexiga.
A cirurgia decorreu num homem de 65 anos com tumor da bexiga localizado e não tratável por via endoscópica (através da uretra), que é a abordagem convencional neste tipo de tumores. O doente encontra-se bem.
“Esta cirurgia implica a remoção da bexiga e a construção de um canal, utilizando ansas de intestino, que fica ligado à pele através de um estoma, para eliminação da urina (urostomia). A visualização em alta definição, com torres de imagem com grandes ecrãs 3D, permite uma cirurgia de maior precisão e com a sensação de imersão no interior do doente”, explica Rodrigo Ramos, o médico urologista que integrou a equipa de três cirurgiões, dois anestesistas, quatro enfermeiros e dois assistentes operacionais.
“A abordagem laparoscópica possibilita que toda a equipa acompanhe o cirurgião nos passos da cirurgia, o que não é possível na cirurgia aberta.”
O procedimento é realizado através de quatro pequenas incisões (portas) localizadas na proximidade do umbigo, que permitem o acesso de uma câmara de 3D e dos instrumentos cirúrgicos.
Muito menos agressiva do que a cirurgia convencional, a excisão da bexiga por via laparoscópica é uma técnica ainda realizada em poucos centros e que só pode ser executada por equipas médicas muito treinadas.
Rodrigo Ramos diz que “este passo só foi possível graças à enorme experiência que os urologistas e anestesistas do IPO Lisboa adquiriram com a realização de mais de cem prostatectomias radicais laparoscópicas, uma técnica cirúrgica que se faz por rotina nos tumores da próstata com indicação cirúrgica”.
Mais doentes com cancro da bexiga avançado
Em regra, o cancro da bexiga é mais agressivo do que o cancro da próstata e a cirurgia da bexiga também é mais complexa e invasiva para os doentes, com pós-operatórios longos e difíceis e complicações mais frequentes, que afetam cerca de 25 por cento dos doentes.
As vantagens da abordagem laparoscópica são várias: “é menos invasiva do que a cirurgia convencional, tem menos complicações no pós-operatório e permite uma recuperação mais rápida dos doentes, com internamentos mais curtos. O tempo operatório é um pouco mais demorado, mas em serviços de internamento com taxas de ocupação superiores a 90 por cento, como sucede no IPO, esta abordagem permite a otimização das camas e dos recursos disponíveis”, adianta Rodrigo Ramos.
Segundo o médico, depois de realizada a primeira cistoprostatectomia radical por via laparoscópica, “o Serviço de Urologia do IPO pretende disponibilizar esta técnica a um maior número de doentes, de forma rotineira, como se faz na próstata e no rim”.
Por ano, o IPO Lisboa realiza cerca 15 cistoprostatectomias radicais, mas entre janeiro e março de 2021 já foram realizadas dez, um aumento que o médico ainda não consegue explicar, mas que poderá ter a ver com o facto de, devido à pandemia COVID-19, muitos doentes estarem a ser referenciados ao IPO com diagnósticos mais tardios, numa fase mais avançada da doença.
Existem vários tipos de tumores que podem crescer na bexiga. A sua incidência é três vezes mais frequente no homem do que na mulher, manifesta-se sobretudo nos grupos etários dos 60/70 anos e o sintoma mais frequente é o aparecimento de sangue na urina. Este tumor pode aparecer em qualquer pessoa, mas sabe-se que o tabagismo é responsável por 50% dos casos.
O tumor da bexiga tem a particularidade de ser o único, entre os mais frequentes, em que a morbilidade e mortalidade nas mulheres é superior à dos homens, quando comparados os mesmos grupos de risco. “Tal deve-se ao facto de, nas mulheres, o sintoma sangue na urina ser frequentemente confundido com origem em causa ginecológica ou infeção urinária e ainda pela anatomia da bexiga da mulher, que é mais fina, permitindo um avanço mais rápido da doença”.