Melhorar a qualidade do ar pode melhorar a função cognitiva e reduzir o risco de demência, confirmam vários estudos partilhados na reunião da Alzheimer’s Association International.
Trabalhos anteriores já tinham relacionado a exposição a longo prazo à poluição do ar com a acumulação de placas cerebrais associadas à doença de Alzheimer, mas esta é a primeira evidência acumulada de que a redução da poluição, sobretudo de partículas finas no ar e poluentes da queima de combustível, está associada a um risco menor de todas as causas de demência e da doença de Alzheimer.
Tanto os níveis crescentes de poluição do ar como os casos de demência, também estes a aumentar, configuram crises mundiais de saúde pública. Embora a investigação já tenha relacionado os dois, estes novos dados exploram a forma como os poluentes do ar podem ter impacto na demência e o que reduzi-los pode significar para a saúde do cérebro a longo prazo.
Entre as principais descobertas destaca-se o facto de uma redução de 10% na emissão de partículas finas (PM2,5) e poluentes relacionados com o tráfego (NO2) ao longo de 10 anos ter sido associada a reduções de 14% e 26% no risco de demência, e um declínio cognitivo mais lento, em mulheres americanas idosas. Benefícios que surgiram nas mulheres independentemente da sua idade, escolaridade, região geográfica em que residiam e se eram portadoras de doenças cardiovasculares.
A redução da concentração de PM2,5 em 10 anos foi associada a um risco reduzido em 15% de demência geral em indivíduos franceses e em 17% da doença de Alzheimer para cada redução de micrograma de poluente gasoso (PM2.5) por metro cúbico de ar (μg/m3).
A exposição a longo prazo aos poluentes do ar foi associada a níveis mais elevados de beta amiloide no sangue, num grande grupo de norte-americanos, o que mostra uma possível relação biológica entre a qualidade do ar e as mudanças físicas do cérebro que definem a doença de Alzheimer.
“Já sabemos há algum tempo que a poluição do ar é má para o nosso cérebro e para a saúde geral”, refere Claire Sexton, diretora de programas científicos e divulgação da Associação de Alzheimer. “Mas o que é empolgante é que agora estamos a ver dados que mostram que melhorar a qualidade do ar pode realmente reduzir o risco de demência. Esses dados demonstram a importância das políticas e ações dos governos e empresas, que abordam a redução dos poluentes atmosféricos.”
Melhorar a qualidade do ar para reduzir o declínio cognitivo
Embora vários estudos tenham descoberto que uma melhoria da qualidade do ar está associada a uma melhor saúde respiratória e maior expectativa de vida, não se sabia se a melhoria da qualidade do ar também pode melhorar a saúde do cérebro.
Para investigar o tema mais a fundo, Xinhui Wang, professor assistente de neurologia na University of Southern California, e os colegas investigaram se as mulheres mais velhas que vivem em locais com maior redução dos níveis de poluição do ar podem ter um declínio mais lento da sua função cognitiva e ser menos propensas a desenvolverem demência.
Wang e a equipa examinaram um grupo de mulheres mais velhas (com idades entre 74-92) nos EUA, que não tinham demência no início do estudo. Os participantes foram acompanhados entre 2008 e 2018, período durante o qual foram realizados testes detalhados à sua função cognitiva, anualmente, para determinar se desenvolveram demência. As moradas dos participantes foram anotadas e usaram-se modelos matemáticos para estimar os níveis de poluição do ar nesses locais ao longo do tempo.
Os investigadores descobriram que, em geral, a qualidade do ar melhorou muito nos 10 anos anteriores ao início do estudo. Durante uma mediana de seis anos de acompanhamento, as funções cognitivas tenderam a declinar com o envelhecimento das mulheres, conforme esperado.
No entanto, para aquelas que viviam em locais com maior redução tanto dos PM2.5 (partículas finas que são 30 vezes mais finas do que um cabelo humano) e NO2 (indicador de poluentes relacionados com o tráfego), o risco de demência diminuiu 14% e 26%.
Os benefícios também foram observados para o declínio mais lento da função cognitiva geral e da memória.
“As nossas descobertas são importantes porque reforçam as evidências de que níveis elevados de poluição do ar exterior na vida adulta prejudicam os nossos cérebros e fornecem também novas evidências de que, ao melhorar a qualidade do ar, podemos reduzir significativamente o risco de declínio cognitivo e demência”, afirma Wang.
O exemplo que vem de França
Num estudo estruturado de forma semelhante, Noemie Letellier, bolseira de pós-doutorado na University of California, San Diego, e os colegas trabalharam com o French Three-City Study, uma grande coorte de mais de 7.000 participantes com 65 anos ou mais, para investigar as ligações entre a exposição à poluição do ar e o risco de demência.
E observaram uma redução na concentração de PM2.5 entre 1990 e 2000, que foi associada a 15% de redução do risco de demência e 17% de redução do risco de doença de Alzheimer para cada diminuição no micrograma de poluente gasoso por metro cúbico de ar (μg/m3), independente de fatores sociodemográficos e de comportamento de saúde.
“Estes dados destacam, pela primeira vez, os efeitos benéficos da redução da poluição do ar na incidência de demência em adultos mais velhos”, confirma Letellier. “As descobertas têm implicações importantes para reforçar os padrões de qualidade do ar na promoção do envelhecimento saudável. No contexto das alterações climáticas, urbanização massiva e envelhecimento da população mundial, é essencial avaliar com precisão a influência da mudança da poluição do ar na demência para identificar e recomendar estratégias de prevenção.”