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Sofrimento psicológico após ataque cardíaco pode causar problemas cardíacos futuros

saúde mental no ataque cardíaco

São muitos os que, após um ataque cardíaco, enfrentam um ou mais tipos de sofrimento psicológico, incluindo depressão, ansiedade, stresse psicossocial ou perturbação de stress pós-traumático (PSPT), o que pode afetar a sua recuperação física e a saúde cardíaca a longo prazo, alerta uma nova declaração científica da American Heart Association.

A declaração descreve a prevalência do sofrimento psicológico após um ataque cardíaco e a sua importância e sugere ainda opções de tratamento e mudanças comportamentais para os sobreviventes de ataques cardíacos e profissionais de saúde, com o objetivo de melhorar o bem-estar emocional e a saúde em geral.

“O sofrimento psicológico após um ataque cardíaco é bastante comum, mas muitas vezes passa despercebido”, afirma o presidente do grupo de redação da declaração científica, Glenn N. Levine, professor de medicina no Baylor College of Medicine, em Houston. “Focamo-nos frequentemente nos aspetos físicos das doenças cardíacas, mas a saúde psicológica está associada à saúde física; por isso, quando ocorre um evento cardíaco grave, como um ataque cardíaco, a recuperação emocional é igualmente importante”.

Relação entre sofrimento psicológico e saúde cardíaca

O sofrimento psicológico nas pessoas com doenças cardiovasculares é cada vez mais reconhecido não só como um fator que contribui para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, mas também como consequência deste tipo de problemas. Em 2021, uma declaração científica da American Heart Association já tinha destacado a associação entre a saúde psicológica e a saúde cardiovascular e sugerido exames regulares de saúde mental para pessoas com ou em risco de doença cardiovascular. Agora, sugere que a depressão pós-ataque cardíaco pode ser formalmente caracterizada como um fator de risco cardíaco, semelhante aos fatores de risco mais tradicionais, como a hipertensão arterial ou a diabetes tipo 2.

De acordo com a nova declaração científica, estima-se que um em cada três sobreviventes de enfarte (33%) desenvolve depressão anualmente, em comparação com menos de um em cada 10 (8,4%) adultos americanos da população em geral.

A ansiedade e o stress podem afetar até 50% dos sobreviventes de enfarte durante o internamento e persistir em 20% a 30% das pessoas durante vários meses ou mais após a alta hospitalar.

Aqueles com maior risco de sofrimento psicológico após um ataque cardíaco incluem as pessoas que vivem sozinhas, do sexo feminino, solteiras, desempregadas ou imigrantes , sem apoio social, ou com antecedentes de problemas de saúde mental ou doenças crónicas.

A depressão, a ansiedade, o stresse psicossocial e a perturbação de stress pós-traumático após um ataque cardíaco também estão associados a um risco significativamente maior de eventos cardíacos e morte em comparação com os sobreviventes de ataque cardíaco sem nenhuma destas condições.

Vários estudos já confirmaram que as pessoas com ansiedade pós-ataque cardíaco têm uma probabilidade 1,3 vezes maior de sofrer outro ataque cardíaco ou morte, e a depressão e a PTSD após um ataque cardíaco estão associadas ao dobro do risco de eventos cardiovasculares recorrentes ou mortalidade.

Associações biológicas e comportamentais

Os danos que o músculo cardíaco sofre na sequência de um ataque cardíaco podem desencadear inflamação, que pode, por sua vez, causar alterações hormonais e na química cerebral, contribuindo para sintomas de depressão, ansiedade ou PTSD, de acordo com a nova declaração científica.

O stress psicológico agudo pode provocar o estreitamento das artérias cardíacas (vasoconstrição coronária), redução do fluxo sanguíneo para o coração (isquémia) e ritmos cardíacos irregulares (arritmia), mesmo nas pessoas sem problemas cardíacos prévios.

Além disso, vários estudos confirmaram que o stress crónico desencadeia a resposta de luta ou fuga do organismo, aumentando a pressão arterial e a inflamação nos vasos sanguíneos, fatores que podem ajudar a explicar a relação bidirecional entre a saúde psicológica e a saúde cardíaca. O comunicado refere que alguns estudos descobriram que até 70% das pessoas com doenças cardíacas apresentaram uma redução do fluxo sanguíneo em resposta ao stress psicológico.

Algumas respostas emocionais, como o medo, a frustração ou interrupções temporárias do sono, podem ser uma reação normal após um evento médico grave, como um ataque cardíaco. No entanto, sintomas persistentes, como tristeza, preocupação excessiva ou evitar lidar com os problemas podem ser sinais de depressão clínica, ansiedade ou PTSD. O stress financeiro devido à falta ao trabalho ou a preocupações com os custos de saúde ou com a cobertura do seguro de saúde pode aumentar as respostas hormonais ao stress e potencialmente causar o agravamento de doenças cardíacas. Algumas pessoas podem desenvolver “ansiedade cardíaca”, um medo intenso de ter outro ataque cardíaco.

O sofrimento psicológico pode também afetar hábitos de vida saudáveis, impactando a recuperação física e fisiológica. Existem evidências substanciais de que a depressão após um ataque cardíaco está associada a um sono de má qualidade, a uma alimentação pouco saudável, ao sedentarismo e ao tabagismo, fatores que aumentam o risco de eventos cardíacos futuros.

Os sobreviventes de enfarte que sofrem de sofrimento psicológico podem também isolar-se socialmente, não tomar os medicamentos conforme prescrito e/ou evitar participar num programa de reabilitação cardíaca.

Reconhecer e tratar o sofrimento psicológico

De acordo com a declaração, ainda não é claro se todas as pessoas que recuperam de um ataque cardíaco devem ser formalmente rastreadas para sofrimento psicológico. No entanto, mesmo quando não são utilizadas ferramentas formais de rastreio, a verificação do bem-estar emocional do doente é uma parte fundamental do seguimento. Os profissionais de saúde são encorajados a estarem atentos aos sinais de sofrimento psicológico nos doentes após um ataque cardíaco.

“Um pouco de apoio pode fazer toda a diferença”, afirma Levine. “Ter um ataque cardíaco é um evento traumático, e a recuperação inclui frequentemente o processamento mental do evento e a reorganização. Reconhecer que um doente que pode estar stressado ou deprimido após um evento cardíaco grave e oferecer-lhe gentilmente a referenciação para um profissional de saúde mental pode ser de grande benefício. Apoiar os doentes e encaminhá-los para cuidados de saúde mental pode ter impactos psicológicos e de saúde positivos para os doentes e as suas famílias”.

 

Crédito imagem: Unsplash

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