
Vinte e sete espécies de bactérias e fungos, entre as centenas que vivem na boca das pessoas, foram coletivamente associadas a um risco 3,5 vezes maior de desenvolvimento de cancro do pâncreas, mostra um estudo liderado pela NYU Langone Health e pelo Perlmutter Cancer Center, nos EUA.
Há muito que os especialistas observam que as pessoas com uma saúde oral deficiente são mais vulneráveis ao cancro do pâncreas do que aquelas com bocas mais saudáveis. Mais recentemente, foi descoberto um mecanismo que pode ajudar a explicar esta ligação, que descobriu que as bactérias podem viajar através da saliva ingerida até ao pâncreas, um órgão que auxilia a digestão. No entanto, até agora, não estava claro exatamente quais as espécies que podiam contribuir para a condição.
Publicada na revista JAMA Oncology, uma nova análise avaliou a composição genética de micróbios recolhidos a partir da saliva de 122.000 homens e mulheres saudáveis.
“As nossas descobertas fornecem novos dados sobre a relação entre o microbioma oral e o cancro do pâncreas”, refere o autor principal do estudo, Yixuan Meng, do Departamento de Saúde Populacional da Escola de Medicina Grossman da Universidade de Nova Iorque.
Relação perigosa
O microbioma oral, a comunidade diversificada de bactérias e fungos que habitam a boca, está a ser cada vez mais estudado pelo seu potencial papel na saúde humana.
No ano passado, a mesma equipa de cientistas descobriu uma associação entre certas bactérias orais e um risco acrescido de desenvolvimento do carcinoma espinocelular da cabeça e pescoço, um grupo de cancros que surgem na boca e na garganta. Os investigadores também realizaram um pequeno estudo, em 2016, que relacionou os micróbios que vivem na boca com o cancro do pâncreas, mas não conseguiram identificar espécies bacterianas precisas.
O seu relatório mais recente é a maior e mais detalhada análise deste tipo até à data, diz Meng. É também o primeiro a mostrar que os fungos orais — ou seja, um tipo de levedura chamada Candida, que vive naturalmente na pele e em todo o corpo — podem desempenhar um papel no cancro do pâncreas. Os investigadores também identificaram estas espécies de Candida orais em tumores pancreáticos de pacientes.
Para o estudo, a equipa avaliou os dados de duas investigações em curso que acompanham americanos de todo o país para compreender melhor como a dieta, o estilo de vida, o historial clínico e muitos outros fatores estão envolvidos no cancro do pâncreas. Logo após a inscrição nos estudos, os participantes bochecharam com elixir, fornecendo amostras de saliva que preservaram o número e as espécies de micróbios para teste. Os investigadores acompanharam-nos, depois, durante uma média de aproximadamente nove anos, para registar a presença de tumores, tendo analisado o ADN bacteriano e fúngico das amostras de saliva.
De seguida, identificaram 445 doentes diagnosticados com cancro do pâncreas e compararam o ADN dos seus micróbios com o de outros 445 participantes do estudo selecionados aleatoriamente, que permaneceram livres de cancro. A equipa certificou-se de ter em conta fatores que já se sabe que desempenham um papel no desenvolvimento da doença, como a idade, a raça e a frequência com que os participantes fumavam.
Os resultados identificaram 24 espécies de bactérias e fungos que, individualmente, aumentaram ou diminuíram o risco de cancro do pâncreas. Outros três tipos de bactérias associadas ao cancro já eram conhecidos por contribuírem para a doença periodontal, uma infeção gengival grave que pode corroer o osso maxilar e os tecidos moles em redor dos dentes.
No total, o grupo completo de micróbios aumentou as probabilidades dos participantes desenvolverem cancro em mais de três vezes.
Além disso, ao avaliar a composição do microbioma oral de cada participante, os cientistas desenvolveram pela primeira vez uma ferramenta que poderia estimar o seu risco de cancro.
“Ao traçar o perfil das populações bacterianas e fúngicas na boca, os oncologistas podem ser capazes de identificar aqueles que mais necessitam de rastreio para o cancro do pâncreas”, disse o coautor sénior do estudo, Jiyoung Ahn, professor dos Departamentos de Saúde Populacional e Medicina da Escola de Medicina Grossman da NYU.
Ahn, que é também diretor associado de ciências populacionais no Perlmutter Cancer Center, observa que existem atualmente poucos métodos eficazes de rastreio da doença, que está entre as formas mais mortais de cancro.
“Está mais claro do que nunca que escovar os dentes e usar fio dentário pode não só ajudar a prevenir a doença periodontal, mas também proteger contra o cancro”, disse o coautor sénior do estudo, Richard Hayes, DDS, MPH, PhD, professor do Departamento de Saúde Populacional da Escola de Medicina Grossman da NYU.
Hayes, que é também membro do Perlmutter Cancer Center, sublinha que o estudo foi elaborado para identificar correlações entre o risco de doença e determinados micróbios na boca, mas não para estabelecer uma relação direta de causa e efeito. Isso exigirá mais investigação.
A equipa de investigação planeia explorar se os vírus orais podem contribuir para o cancro e como o microbioma oral pode afetar as hipóteses de sobrevivência dos pacientes, acrescenta Hayes.