
“Inspirado pelo mar, impulsionado pela ciência, motivado pelas pessoas.” Este é o mote desde 1986 da PharmaMar, fundada por José María Fernandéz. Com o objetivo de se diferenciar nesta indústria, a farmacêutica tornou-se pioneira no uso de matéria do fundo do mar para criar medicamentos. A PharmaMar testou, avançou e conseguiu. 40 anos depois, conta-nos a história do seu sucesso e do processo moroso, mas gratificante, desde a expedição ao fundo do mar até à comercialização do medicamento. O Notícias Saúde rumou a Madrid para conhecer os laboratórios e os escritórios da PharmaMar. Leia a reportagem.
“Precisamos de pescar o talento”
Considerado um mercado competitivo, a medicina oncológica tem vindo a desenvolver-se durante as últimas décadas, pelo que se tornou perentório diferenciar-se na indústria farmacêutica para ter sucesso. É neste sentido que o fundador pensou mais além: “O mar ainda estava pouco explorado e a PharmaMar encontrou a sua oportunidade, através da procura e criação de novos medicamentos para diferentes doenças oncológicas através de organismos marinhos.”
Até então sabia-se que a natureza era rica em organismos para criar medicamentos, como a penicilina, mas o fundo do mar, que é a casa de cerca de 80% dos seres vivos, estava subexplorado. Para validar esta ideia, Luis Mora, managing director, acredita que é preciso “pescar o talento”, pelo que a PharmaMar investiu recursos e iniciou as expedições ao oceano.
Com mais de 200 visitas ao fundo do mar em 35 países, a farmacêutica tem agora a maior coleção de organismos marinhos, com cerca de 500 mil espécies, maioritariamente invertebrados. Os Açores já receberam uma expedição da PharmaMar, há cerca de 15 anos, para recolher amostras. “Para nós, Portugal é um país importante geograficamente, com qualidade de amostras e práticas”, refere o managing director.
Qual a vantagem de estudar estes organismos? Os invertebrados desenvolveram mecanismos de defesa complexos, tornando-os uma fonte valiosa com potencial terapêutico.
No entanto, Carmen Cuevas, do Departamento de Research & Development, destaca “o processo complicado” para as expedições em algumas zonas e águas guardadas de cada país. Para isso, a PharmaMar oferece um acordo de negociação para tornar o processo também benéfico para ambos.
Atualmente, esta estratégia já demonstrou ser capaz de produzir resultados significativos e de sucesso para a medicina oncológica, com foco no sarcoma dos tecidos moles, cancro do ovário, mieloma múltiplo e cancro do pulmão de pequenas células, no qual se destaca.
Do mar para o doente
O primeiro passo é a expedição ao fundo do mar, para recolher amostras, através de uma metodologia manual, com o objetivo de diminuir o impacto no ambiente. Após a expedição, as amostras marinhas são encaminhadas para os laboratórios em Colmenar Viejo, a cerca de 30 minutos de Madrid, para analisar as suas características e componentes. É, neste momento, que se analisa o estudo da atividade antitumoral, para isolar o responsável ativo pela atividade contra as células do tumor.
O terceiro passo é produzir os componentes através de processos químicos. Desta forma, é possível gerar quantidades suficientes para continuar as pesquisas e estudos. De seguida, realizam-se os estudos pré-clínicos, geralmente, em animais modelos, para conhecer a eficácia dos componentes nos diferentes tipos de tumores, a sua toxicidade e ainda a sua complementaridade com outros fármacos.
Só depois desta fase é que se pode realizar ensaios clínicos, desta vez em humanos, para determinar a sua qualidade, segurança e eficácia antes de existir uma autorização para a comercialização. Após estas etapas, chegou o momento de realizar o registo, produzir e vender.
José María Fernandéz conta-nos que “o processo entre a expedição e a aprovação da patente e comercialização dura cerca de 15 anos”. Ainda assim, mantêm o seu carácter diferenciador, explica Carmen Cuevas: “Não temos competição na área da criação de medicamentos com base em organismos marinhos.”
“O tabaco é mau a partir do primeiro cigarro”
Existem quatro tipos de tumores: carcinomas; sarcomas; leucemias; e linfomas. Em 2020, diagnosticaram-se 18,1 milhões de novos casos em todo o mundo. Com previsão de crescimento de ano para ano, estima-se que, em 2040, existam 20 milhões de diagnósticos no mundo.
Esta patologia “afeta, sobretudo, o mundo desenvolvido, devido à exposição à poluição e à radiação”, mas também porque o sistema de saúde é mais avançado, aumentando os diagnósticos. A esperança média de vida é também um fator determinante para um número elevado de doenças, como cardiovasculares e oncológicas.
Apesar de a PharmaMar ter três medicamentos aprovados e comercializados direcionados para diferentes tipos de tumores, o seu diferencial é o cancro do pulmão de pequenas células.
Considerado um cancro muito agressivo, esta patologia afeta cerca de 13% da população, contabilizando mais de 5 mil doentes com cancro do pulmão em Portugal.
José Antonio López-Vilariño, Global Product Lead Clinical Oncology, apresenta os seguintes dados: de acordo com os dados de 2022, em Portugal, verificava-se uma maior incidência no cancro colorretal, mama e próstata; já a taxa de mortalidade foi mais elevada nos doentes com cancro do pulmão, colorretal e estômago. Tal verificava-se exatamente por o cancro do pulmão ter poucas opções de tratamento, o que se está a refletir na mortalidade de pessoas que fumam há 40 ou 50 anos.
Ainda assim, a incidência de cancro do pulmão tem vindo a aumentar nos últimos 30 anos, principalmente nas mulheres, que, até então, viam a sua liberdade condicionada, devido ao acesso tardio ao tabaco. Atualmente, o problema do tabagismo começa um pouco mais cedo, até mesmo na adolescência.
Antonio López-Vilariño alerta: “O tabaco é mau a partir do primeiro cigarro. Não existe um número de cigarros que seja saudável.” Apesar de ter um maior reflexo no cancro do pulmão, o tabaco é também responsável pelo cancro da garganta, esófago, oral, fígado, estômago, pâncreas, rins e colorretal.
“O ser humano está exposto diariamente a um produto que foi criado por nós. Os governos gastam muito dinheiro no diagnóstico e tratamento deste problema, mas também lucram com o negócio do tabaco, refere o Global Product Lead Clinical Oncology. Neste sentido, acredita-se que, “se se abolir o tabaco durante 10 anos, o cancro do pulmão vai diminuir em cerca de 80%”.
Além do tabaco, também os não fumadores podem ter cancro do pulmão, ainda que em menor percentagem. Tal deve-se a fatores de risco como exposição ao gás radão, histórico familiar, infeções, exposição a radiação, inflamação crónica, como tuberculose, HPV e VIH.
Javier Jiménez, chief medical officer, marcou também presença no encontro, partilhando que o medicamento direcionado para o cancro do pulmão de pequenas células da PharmaMar “permite que não haja uma replicação das células de cancro, sem uma toxicidade acumulada”.
De olhos postos no futuro
Com sede em Madrid, cerca de 495 pessoas colaboram na PharmaMar, espalhados por vários países — Alemanha, França, Itália, Bélgica, Áustria, Suíça e Estados Unidos da América — e de 18 nacionalidades, com o propósito de levar o melhor tratamento para os seus doentes.
Até hoje estes tratamentos já ajudaram mais de 150 mil doentes, por enquanto apenas na Europa, mas pretendem expandir e receber autorização para outros países e continentes. Já em Portugal, os valores rondam os 50 doentes de cancro do pulmão.
Além dos avanços para o tratamento do cancro, a PharmaMar contribui para o conhecimento do ambiente marinho e da sua biodiversidade, com o aumento da descoberta de novas espécies.
“2025 e 2026 vão ser anos importantes e entusiasmantes para a PharmaMar”, conclui Luis Mora, com a potencial aprovação do medicamento para o cancro do pulmão de pequenas células na Europa, estimando-se beneficiar cerca de 500 novos casos todos os anos, com este medicamento.
