Tratar o VIH implicava, até agora, a toma de medicação para suprimir o vírus, feita durante toda a vida. Mas o relato de um caso, o segundo, de um doente em remissão depois do fim do tratamento, aumenta a esperança de uma cura.
O relato deste exemplo, feito por investigadores da University College London e do Imperial College London, juntamente com equipas da Universidade de Cambridge e da Universidade de Oxford, surge dez anos depois de o primeiro ter sido feito.
Conhecido como “Paciente de Londres” foi, à semelhança do anterior, o “Paciente de Berlim”, tratado com transplantes de células estaminais de doadores portadores de uma mutação genética que impede a expressão de um recetor do VIH, o CCR5.
Dezoito meses depois de interrompido o tratamento com medicamentos antirretrovirais, o doente continua em remissão. E ainda que, de acordo com os autores do estudo, seja cedo para dizer com certeza se se trata de uma cura, a esperança é grande.
36,9 milhões com sida no mundo
“Atualmente, a única forma de tratar o VIH é com medicamentos que suprimem o vírus, que as pessoas precisam de tomar durante toda a vida, colocando um desafio particular nos países em desenvolvimento”, diz em comunicado o principal autor do estudo, o professor Ravindra Gupta, da Universidade de Cambridge.
“Encontrar uma forma de eliminar completamente o vírus é uma prioridade global urgente, mas é particularmente difícil porque o vírus se integra com as células brancas do hospedeiro.”
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, eram cerca de 36,9 milhões as pessoas que, em todo o mundo, viviam com VIH/sida em 2017 e apenas 59% destas recebiam a medicação antirretroviral.
Depois do paciente Berlim, o paciente Londres
O novo estudo descreve o percurso de um doente do sexo masculino, no Reino Unido, que prefere permanecer anónimo, diagnosticado com infeção pelo VIH em 2003 e em terapia antirretroviral desde 2012.
Mais tarde, em 2012, foi diagnosticado com Linfoma de Hodgkin avançado. Para além da quimioterapia, em 2016, foi submetido a um transplante de células estaminais hematopoiéticas de um doador com duas cópias da mutação genética (ou “alelo”) que impede a expressão do CCR5.
O CCR5 é o recetor mais usado pelo VIH-1, o tipo mais comum e mais prejudicial de VIH. As pessoas que têm duas cópias mutadas do alelo CCR5 são resistentes à estirpe do vírus VIH-1 que usa esse recetor, uma vez que o vírus não pode entrar nas células do hospedeiro.
A quimioterapia pode ser eficaz contra o VIH, uma vez que mata as células que se estão a dividir. A substituição de células imunológicas por aquelas que não possuem o recetor CCR5 parece ser a chave para evitar que o VIH recupere após o tratamento.
Longo caminho pela frente
O transplante foi relativamente simples, mas com alguns efeitos secundários. O doente continuou a tomar os antirretrovirais durante 16 meses após o transplante quando, juntamente com a equipa clínica, foi decidido interromper a terapêutica, para testar se o doente estava realmente em remissão.
Testes regulares confirmaram que a carga viral do doente permaneceu indetetável e o mesmo continuava em remissão, 18 meses após o fim do tratamento (35 meses após o transplante). As células imunitárias do doente permanecem incapazes de expressar o recetor CCR5.
Esta é apenas a segunda pessoa documentada em remissão sustentada sem antirretrovirais. O primeiro, o paciente de Berlim, também recebeu um transplante de células estaminais de um doador com dois dos alelos do CCR5, mas para tratar leucemia.
No entanto, o de Berlim foi submetido a dois transplantes e a irradiação total do corpo, enquanto o do Reino Unido recebeu apenas um transplante e fez menos quimioterapia intensiva.
“Ao alcançar a remissão num segundo doente usando uma abordagem semelhante, mostramos que o paciente de Berlim não era uma anomalia, e que realmente foram as abordagens de tratamento que eliminaram o VIH nestas duas pessoas”, explica o professor Gupta.
Os pesquisadores alerta, no entanto, que a abordagem não é apropriada como tratamento padrão para o VIH devido à toxicidade da quimioterapia, mas oferece esperança para novas estratégias de tratamento que possam eliminar completamente o vírus.
“Precisamos de entender se podemos eliminar esse recetor em pessoas com VIH, o que pode ser possível com terapia genética”, refere Gupta.
“Embora seja cedo demais para dizer, com certeza, que nosso doente está curado do VIH, e os médicos continuarão a monitorizar a sua saúde, o aparente sucesso do transplante de células estaminais hematopoiéticas oferece esperança na busca por uma cura há muito esperada para o VIH/sida”, afirma Eduardo Olavarria, do Imperial College Healthcare NHS Trust e do Imperial College London.