
Se tiver cancro, espera-se que consulte um oncologista; se tiver insuficiência cardíaca, deveria consultar um cardiologista. Mas de acordo com um estudo publicado no European Heart Journal, hoje em dia apenas cerca de três em cada cinco doentes com insuficiência cardíaca consultam um cardiologista pelo menos uma vez por ano. Algo que lhes pode custar a vida.
O estudo, também apresentado no Heart Failure Congress 2025, mostra que os doentes que consultam um cardiologista uma vez por ano têm cerca de 24% menos probabilidade de morrer no ano seguinte. E mostra também quais os doentes que podem beneficiar de uma consulta anual com um cardiologista e quais os doentes que devem ser consultados com mais frequência.
A investigação sugere que se os cardiologistas vissem os doentes com insuficiência cardíaca pelo menos uma vez por ano, poderia ser salva uma vida por cada 11 a 16 doentes tratados.
Guillaume Baudry, um dos líderes da equipa de investigadores franceses, do Centro de Investigação Clínica do Hospital Universitário de Nancy, que realizou o estudo explica que “nos doentes com insuficiência cardíaca, o coração não consegue normalizar o fluxo sanguíneo e a pressão. A insuficiência cardíaca geralmente não tem cura, mas com o tratamento adequado, os sintomas podem ser controlados durante muitos anos”. Mas acrescenta que, atualmente, “dependendo do doente e da sua condição, por exemplo, se tem insuficiência cardíaca crónica ou aguda, pode ou não ser visto por um cardiologista”.
Foi para perceber se uma consulta com um cardiologista está relacionada com mortes ou hospitalização em doentes com insuficiência cardíaca que realizaram este trabalho, que incluiu todos os doentes franceses que viviam com insuficiência cardíaca em janeiro de 2020 e que tinham sido diagnosticados nos cinco anos anteriores: 655.919 pessoas no total.
Estes doentes foram divididos tendo em conta o facto de terem sido hospitalizados com insuficiência cardíaca no último ano ou nos últimos cinco anos, e se estavam ou não a tomar diuréticos como tratamento – os diuréticos ajudam o organismo a eliminar o excesso de sódio através da urina, o que reduz a acumulação de líquidos no organismo.
A importância da consulta ao cardiologista
Os investigadores descobriram que, entre todos os grupos de doentes, cerca de dois em cada cinco não consultaram um cardiologista ao longo de um ano. E aqueles que o fizeram tinham menos probabilidade de morrer por qualquer causa e menos probabilidade de serem hospitalizados com insuficiência cardíaca no ano seguinte.
Tendo em conta o número de consultas de cardiologia disponíveis a nível nacional, os investigadores criaram um modelo para mostrar com que frequência os doentes devem consultar um cardiologista, com base na hospitalização recente e no uso de diuréticos, para reduzir ao máximo o risco de morte.
De acordo com o modelo, para os doentes que não tinham sido hospitalizados recentemente e não estavam a tomar diuréticos, uma visita por ano seria o ideal para minimizar o risco de morte, reduzindo o risco de morrer no ano seguinte de 13% para 6,7%.
Aqueles que não tinham sido recentemente hospitalizados, mas estavam a tomar diuréticos, deveriam ser examinados duas a três vezes por ano, o que reduziria o risco de morte de 21,3% para 11,9%.
Nos doentes hospitalizados nos últimos cinco anos, mas não no último ano, ser visto duas a três vezes por ano parece ser o ideal e capaz de reduzir o risco de 24,8% para 12,9%.
Para os doentes que tinham sido hospitalizados no último ano, quatro consultas com um cardiologista foram o ideal, reduzindo o risco de 34,3% para 18,2%
“Embora existam limitações inerentes à investigação observacional, as nossas conclusões destacam o valor potencial do seguimento especializado, mesmo em doentes que parecem clinicamente estáveis. Os doentes devem sentir-se encorajados a solicitar uma avaliação cardiológica, particularmente se estiveram recentemente hospitalizados ou se estão a tomar diuréticos”, refere Baudry.
Nicolas Girerd, outro dos líderes deste trabalho, considera que “podem haver muitas razões pelas quais os doentes com insuficiência cardíaca não consultam um cardiologista. Por exemplo, sabemos que os idosos e as mulheres têm menor probabilidade de o fazer; verificámos que os doentes com outra condição crónica, como diabetes ou doença pulmonar, também tinham menor probabilidade de consultar um cardiologista. Estas diferenças foram encontradas em muitos países do mundo.”
“As nossas descobertas sugerem que as referenciações para cardiologia podem ser feitas de forma mais sistemática no tratamento da insuficiência cardíaca, da mesma forma que a referenciação para oncologia faz parte do tratamento de rotina do cancro”, reforça.
“Verificámos também que dois critérios muito simples – hospitalização recente e uso de diuréticos – podem facilmente estratificar o risco do doente. Estes critérios não envolvem testes dispendiosos, pelo que podem ser utilizados por qualquer pessoa, em qualquer ambiente, em qualquer país. Estes resultados podem ajudar a redesenhar os sistemas de saúde para reduzir as mortes e, ao mesmo tempo, preservar os recursos”, conclui.
Os investigadores planeiam agora testar as suas descobertas num ensaio clínico intervencionista. Esperam também estudar o impacto de consultar um cardiologista para a insuficiência cardíaca noutros países com sistemas de saúde diferentes.