Investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) revelaram uma nova forma de reduzir a perda de sangue nas cirurgias cardíacas. O estudo, desenvolvido em colaboração com o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, identificou alterações nos níveis de uma gordura no sangue que se relacionam com o risco de hemorragia dos doentes. Com uma simples análise, os clínicos poderão antecipar esta complicação no pós-operatório e atuar de modo a preveni-la.
As hemorragias são uma das complicações mais comuns após as cirurgias cardíacas, sobretudo nas de coração aberto. Neste tipo de cirurgia, os cirurgiões têm de recorrer a um circuito extracorporal composto por tubos e máquinas que replicam a função do coração e dos pulmões. Isto permite-lhes trabalhar no interior do coração enquanto este permanece imóvel e sem sangue.
Apesar da sua incontornável utilidade, a circulação do sangue fora do corpo perturba o número e a função dos componentes responsáveis pela coagulação, as plaquetas. Como tal, os pacientes precisam frequentemente de receber transfusões de sangue para prevenir ou contrariar hemorragias, o que não só aumenta o risco de morte como traz custos significativos para os sistemas de saúde.
Com o intuito de encontrar perfis moleculares que informassem quanto ao prognóstico, investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência analisaram amostras de sangue de 33 pacientes sujeitos a cirurgia de substituição de uma válvula cardíaca no serviço de cirurgia cardiotorácica do Hospital de Santa Maria. As amostras foram colhidas antes e 6 e 24 horas depois da cirurgia, e comparadas em pacientes com e sem hemorragias.
A alteração dos níveis de uma gordura da família do ómega-6 no sangue destes doentes despertou a atenção dos investigadores. Curiosamente, os pacientes que tinham níveis reduzidos desta gordura antes da cirurgia tiveram mais hemorragias e necessitaram de cerca do dobro das transfusões no pós-operatório.
Apesar de se saber que estas gorduras regulam a agregação das plaquetas para evitar perdas excessivas de sangue, até à data, não existiam estudos que as relacionassem com a hemorragia pós-operatória. “Ficámos muito entusiasmados por encontrar este perfil que se pode automaticamente relacionar com o risco de hemorragia após as cirurgias cardíacas e que nos poderá ajudar a reduzi-lo”, afirma um dos primeiros autores do estudo, Tiago Velho, especialista em cirurgia cardiotorácica no Hospital de Santa Maria e estudante de doutoramento do IGC.
As hemorragias também foram mais frequentes nos pacientes em que os níveis de ómega-6 diminuíram entre o pré e o pós-operatório. Mas o que causa esta alteração? Os autores explicam que este é mais um exemplo da complexa relação que existe entre a inflamação, desencadeada pela cirurgia, e a coagulação do sangue.
Um importante mediador da resposta inflamatória, conhecido por aumentar o número e estimular a função das plaquetas, parece estar relacionado com a variabilidade desta gordura no sangue dos pacientes. Em particular, este mediador parece estar diminuído naqueles que têm hemorragias. A inflamação poderá, então, ser a razão por trás das alterações nesta gordura e, consequentemente, da disfunção das plaquetas e hemorragia depois das cirurgias cardíacas.
Suplementação pode evitar hemorragias
Em suma, este estudo demonstra que a alteração dos níveis de uma gordura da família do ómega-6, associada à inflamação, é caraterística da cirurgia cardíaca com recurso a circulação extracorporal.
“Avaliar o nível pré-cirúrgico desta gordura no sangue poderá ser mais relevante que olhar para o número de plaquetas”, explica Luís Moita, investigador principal do grupo de Imunidade Inata e Inflamação do IGC, e também médico de formação.
A suplementação com esta gordura antes da cirurgia poderá ser uma solução segura e pouco dispendiosa para assegurar a função normal destes componentes sanguíneos. Os investigadores estão já a planear um estudo “para avaliar a eficácia desta estratégia na redução das hemorragias e transfusões após a cirurgia”.