
Em Portugal, há um alarme que dispara 194 vezes por dia. Um alarme que dá sinal nos ossos de quem nem imaginava estar em perigo, um risco que é, no entanto, real para os maiores de 50 anos. Na origem deste alarme está uma doença, a osteoporose que, segundo dados de 2019, se estima afetar mais de 600 mil portugueses. Segundo Filipe Cabral, Médico Assistente de Medicina Geral e Familiar na USF Marco e membro do Grupo de Estudos de Doenças Cardiovasculares (GEsDCard) da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, trata-se de “um problema de saúde pública de grande relevância em Portugal”.
“Existe a previsão de um aumento de 28,9% no número de fraturas até 2034, atingindo cerca de 91.200 casos anuais. Apesar deste impacto, a osteoporose encontra-se claramente subdiagnosticada e subtratada. Prova disso mesmo são os dados do BI-CSP que, em junho de 2025, reportam uma prevalência de diagnóstico que não atinge os 3,4% – valores aquém dos 5,6% do estudo SCOPE”, refere o especialista.
Em Portugal, refere o médico, “não só não estamos a diagnosticar a osteoporose, como estamos a tratar apenas uma ínfima parte dos doentes com esta patologia. Dados, também de 2019, demonstram que apenas 25% das mulheres elegíveis para tratamento recebem a terapêutica adequada e, no caso de doentes com antecedentes de fratura de fragilidade, só 21,6% iniciaram tratamento, apesar de todos terem indicação para tal. O treatment gap (diferença entre o número de pessoas com indicação terapêutica e o número de pessoas que efetivamente receberam esse tratamento) aumentou de forma significativa de 37% para 75% de 2010 a 2019”.
Um subdiagnóstico, que dá origem a um subtratamento que, por sua vez, conduz a “um elevado número de fraturas de fragilidade, fraturas essas que se associam a uma morbimortalidade considerável – mortalidade no 1.º ano na ordem dos 30% nos doentes com fratura da anca; 50% dos doentes perdem autonomia após fratura. Tudo isto representa um elevado custo em saúde: em 2019 cerca de mil milhões de euros, o equivalente a 5,6% da despesa nacional em saúde, sendo que menos de 1,5% foi investido em prevenção e/ou tratamento farmacológico”.
No entanto, existe tratamento. “A terapêutica com bifosfonatos continua a ser a que apresenta melhor custo/benefício e a primeira linha no tratamento da osteoporose e, tendo em conta o melhor interesse do utente, devemos optar pelo tratamento que, por um lado, seja eficaz e, por outro, seja de administração simples, não invasiva e com pouco impacto na sensação de carga de doença. Invariavelmente, as tomas mensais de bifosfonatos são as que cumpre estes critérios, com evidência que nos mostra que são melhor toleradas, melhor aceites pelos utentes e com maiores taxas de adesão.’”, acrescenta Luís de Almeida Pina, Médico de Família, na USF Venda Nova – Unidade Local de Saúde Amadora/Sintra.
O papel do médico de família
Neste cenário, o médico de família assume um papel central, tanto na prevenção, como na gestão da doença. Na prevenção primária, através “da promoção da literacia em saúde, incentivo a hábitos de vida saudáveis, exercício físico, cessação tabágica e redução do consumo de álcool, por exemplo; no diagnóstico precoce”, afirma Filipe Cabral.
Luís de Almeida Pina não tem dúvidas que a literacia em saúde é fundamental quando se trata da osteoporose. ”Temos de informar de forma clara e objetiva sobre o que é verdadeiramente a osteoporose, os seus potenciais impactos e ainda as medidas que têm efeito e sobre as que não têm”, refere.
Isto passa por deitar por terra alguns mitos. “Não é com cálcio isolado que tratamos osteoporose e isso tem de ser explicado. Por outro lado, temos de nos colocar mais na linha da frente no diagnóstico e abordagem da osteoporose; combater alguma inércia diagnóstica e terapêutica que, indicam-nos os principais estudos de incidência e prevalência, ainda existe e avançar para planos de tratamento claros, objetivos e simplificados”.
Mas o papel do médico de família vai mais longe. Passa “pela identificação de fatores de risco e utilização de ferramentas de estratificação de forma sistemática, mesmo na ausência de sintomas; na continuidade de cuidados, pela prescrição de terapêutica adequada, seguimento regular e articulação com outras especialidades quando necessário e na coordenação de cuidados, com a integração em equipas multidisciplinares para reduzir complicações e melhorar a qualidade de vida dos doentes”, acrescenta Filipe Cabral.
Aqui, Luís de Almeida Pina reforça a importância do uso generalizado do FRAX para cálculo do risco de desenvolver fraturas importantes a partir dos 50 anos. “É uma ferramenta gratuita, de uso simples e de aplicação muito prática, com dados que, na sua maioria, já iríamos obter na mesma, que nos permite evitar várias coisas no futuro: fraturas de fragilidade (decorrentes de osteoporose) nos utentes, impacto dessas fraturas na sua qualidade de vida, gastos diretos e indiretos para os utentes e para os serviços de saúde e segurança social, decorrentes dessas fraturas, internamentos e imobilizações prolongadas e uma fragilização global do utente. É, de facto, o gesto mais simples que podemos ter. Calculamos diariamente o risco cardiovascular dos nossos utentes, usando também fórmulas de cálculo gratuitas. Usemos também o FRAX!”