Não houve progresso suficiente para lidar com a inatividade física em todo o mundo, com adolescentes e pessoas com deficiência entre as populações menos prováveis de ter o apoio necessário para cumprir as diretrizes de atividade física da Organização Mundial da Saúde (OMS). Os esforços globais para melhorar a atividade física foram paralisados, com o total de mortes causadas pelo sedentarismo a ultrapassar os mais de cinco milhões por ano.
A inatividade física está associada a um risco aumentado de doenças não transmissíveis, como as doenças cardíacas, diabetes e alguns tipos de cancro, e custa pelo menos 54 mil milhões de dólares por ano em custos diretos de saúde, dos quais 31 mil milhões são pagos pelo setor público.
O lento progresso para melhorar a atividade física em todo o mundo foi exacerbado pela pandemia de COVID-19. Além disso, as pessoas inativas e aquelas com doenças não transmissíveis têm muito mais probabilidade de serem hospitalizadas ou morrerem na sequência da infeção por COVID-19.
Estas descobertas têm origem numa nova série de três artigos publicada no The Lancet, lançados antes das Olimpíadas de 2020, que se realizam em Tóquio, no Japão. Os autores pedem uma ação imediata e urgente para priorizar investigação e medidas de saúde pública para melhorar a atividade física em todo o mundo e garantir que esta é incorporada na vida quotidiana.
Os adolescentes e a inatividade física
Apesar do número crescente de jovens com diagnóstico de doenças não transmissíveis, incluindo distúrbios cardiometabólicos e de saúde mental, os autores observam que a pesquisa sobre atividade física em adolescentes é limitada.
A análise global mostra que 80% dos adolescentes em idade escolar não cumprem as diretrizes recomendadas pela OMS de 60 minutos de atividade física por dia, com pouco progresso desde 2012. Além disso, 40% dos adolescentes nunca caminham para a escola e 25% ficam sentados durante mais de três horas por dia, além do tempo que passam sentados na escola e a fazer os trabalhos de casa.
Os especialistas examinaram também o tempo passado em frente ao ecrã em 38 países europeus e descobriram que 60% dos meninos e 56% das meninas passam duas horas ou mais por dia a ver televisão e 51% deles e 33% delas passam duas horas ou mais por dia a jogar videojogos. No entanto, pouco se sabe sobre como isso afeta a sua saúde cardiometabólica e mental.
Esther van Sluijs, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, autora principal do artigo, considera que “precisamos desesperadamente de explorar as consequências de curto e longo prazo que a inatividade física tem sobre os adolescentes e identificar formas eficazes de promover aumentos na atividade física, sobretudo à luz da pandemia de COVID-19. A escolaridade virtual e o distanciamento social reduziram drasticamente a atividade física e aumentaram o uso de ecrãs, e as consequências dessas mudanças podem durar a vida toda”.
“Os adolescentes representam quase um quarto da população mundial e, ao garantir que crescem em ambientes sociais e físicos que favorecem a atividade física, estamos a ajudar a mudar a sua saúde agora, melhorar a sua saúde futura e influenciar positivamente a saúde da próxima geração”, acrescenta.
A realidade das pessoas com deficiência
A atividade física pode proporcionar uma série de benefícios para a saúde física e mental de 1,5 mil milhões de pessoas em todo o mundo que vivem com deficiência física, mental, sensorial ou intelectual. No entanto, os investigadores descobriram que estas pessoas têm 16-62% menos probabilidade de cumprir as diretrizes de atividade física e têm maior risco de problemas de saúde graves relacionados com essa inatividade física, como doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade.
A proporção de adultos com deficiência que vive em países mais ricos e que cumpre as diretrizes de atividade física varia entre 21% e 60%, em contraste com as estimativas de 54% a 91% para os adultos sem deficiência. A magnitude das disparidades na atividade física para as pessoas com deficiência varia entre os tipos de deficiência e é maior para aqueles com deficiências múltiplas.
Além disso, os especialistas descobriram que qualquer quantidade de atividade física, mesmo que menor que os 150 minutos por semana recomendados pela OMS, é benéfica para esta população. Os benefícios incluíram a melhoria da saúde cardiovascular, força muscular, capacidades funcionais e saúde mental.
Os autores do estudo pedem que os planos de ação de atividade física em todo o mundo sejam adequadamente dotados, monitorizados e implementados para realmente promover os direitos fundamentais das pessoas com deficiência, permitindo que participem plenamente na atividade física.
“O interesse em desportos para deficientes físicos continua a crescer e pode ser um fator chave na promoção de mais capacitação, participação e inclusão para as pessoas com deficiência”, refere Kathleen Martin Ginis, da University of British Columbia, Canadá, e principal autora do artigo.
“Mas também precisamos de mais pesquisa focada nestas pessoas, bem como políticas e diretrizes coesas e direcionadas para garantir que os seus direitos são respeitados e permitir a sua participação plena e efetiva na atividade física.”
Os autores destacam que 80% das pessoas com deficiência vivem em países de rendimentos médios e baixos. No entanto, nesta revisão, praticamente todos os dados populacionais disponíveis sobre inatividade física em pessoas com deficiência são oriundos dos países ricos da América do Norte e do noroeste da Europa, indicando uma necessidade urgente de mais pesquisa sobre atividade física neste grupo a um escala global.
A importância dos Jogos Olímpicos para a saúde e o fim da inatividade física
Os eventos desportivos de massa, incluindo os Jogos Olímpicos, oferecem uma oportunidade de promover a atividade física para as populações globais. No entanto, os autores do estudo verificaram que os Jogos Olímpicos tiveram um impacto mínimo na atividade física nas cidades-sede e são uma oportunidade perdida de melhorar a saúde da população.
Observou-se a inexistência de mudança mensurável na participação em desportos, seja imediatamente antes ou depois dos Jogos Olímpicos. Isso foi verdade mesmo depois de os Jogos Olímpicos terem dado início ao projeto de impacto global, em 2001, que sugeriu que as cidades recolhessem dados de indicadores antes e depois das Olimpíadas. Descobertas que sugerem que é necessário mais planeamento e maiores esforços de saúde pública para gerar um legado de maior atividade física após as Olimpíadas ou outros eventos desportivos de massa.
“As Olimpíadas e outros eventos desportivos de massa são uma oportunidade perdida de mudar a saúde e a atividade física ao nível da população, não apenas na cidade ou país anfitrião, mas em todo o mundo. As Olimpíadas proporcionam um palco global para despertar o interesse e o entusiasmo das pessoas pela atividade física. O desafio é como traduzir esse entusiasmo em programas sustentáveis de saúde pública que sejam alcançáveis e agradáveis para o público em geral”, refere o autor principal do artigo, Adrian Bauman, da University of Sydney, Austrália.
Os autores pedem planeamento pré e pós-evento e parcerias entre governos locais e nacionais e o Comité Olímpico Internacional e uma estrutura de avaliação completa das cidades e países anfitriões ao nível da atividade física, para construir um legado que levará a mais atividade física e melhorará a saúde pública.
Atividade física: uma necessidade humana essencial
Num editorial vinculado a estes estudos, Pam Das, editora executiva sénior da revista The Lancet, considera que “a pandemia fornece um poderoso catalisador para defender a atividade física… O exercício durante o confinamento foi considerado uma atividade essencial por muitos governos em todo o mundo – a atividade física era considerada tão essencial como a alimentação, abrigo e procura de cuidados médicos. As primeiras campanhas do governo durante o COVID-19 encorajaram o público a sair e exercitar-se. Porque é que os governos não podem então comprometer-se com a promoção da atividade física como uma necessidade humana essencial além e independente do COVID-19?”.
De acordo com a especialista, “0 aumento da consciencialização pública sobre a saúde apresenta uma oportunidade de focar nos benefícios de ser saudável, em vez de controlar a doença. Um dos objetivos deve ser integrar a atividade física no modo como as pessoas conduzem as suas vidas todos os dias, para que as escolhas fisicamente ativas, que muitas vezes são as mais saudáveis e ecologicamente corretas, se tornem o padrão”.
Por exemplo, “usar transportes públicos, viagens ativas, educação física obrigatória nas escolas e atividades após as aulas são algumas possibilidades. A pandemia mostrou como é fácil fazer uma caminhada diária de 30 minutos. Ao defender níveis de atividade física que as pessoas possam integrar razoavelmente nas suas vidas, como caminhar, as expectativas podem ser geridas. Coloque a fasquia muito alta e as pessoas não farão nada. Mas com alvos razoáveis, eles podem simplesmente começar a mexer-se”.