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Futuro da deteção do cancro pode estar à distância de um exame de sangue, dizem os cientistas

diagnosticar o cancro

A perspetiva de diagnosticar o cancro através de métodos indolores — como um simples exame ao sangue ou à urina com o auxílio de inteligência artificial que deteta minúsculas partículas conhecidas como exossomas — está a tornar-se cada vez mais realista. Os cientistas preveem que esta abordagem poderá, um dia, permitir a identificação rápida e direta dos biomarcadores do cancro.

Esta descoberta surge após uma extensa revisão da literatura, que oferece um resumo e uma análise abrangentes e interpretativos da investigação publicada sobre o tema.

Liderada por Mohammad Harb Semreen, professor de Química Farmacêutica na Universidade de Sharjah, esta análise, publicadas na revista internacional Clinica Chimica Acta, avaliou os resultados de mais de 100 estudos e sintetizou quatro associações principais, oferecendo interpretação, análise e o conhecimento de especialistas.

O foco foi os exossomas — minúsculas bolhas libertadas por quase todas as células do corpo e que atuam como mensageiras, transportando mensagens moleculares de uma célula para outra. No cancro, estes mensageiros microscópicos sofrem alterações drásticas: carregam-se com proteínas, material genético, lípidos e metabolitos que refletem o que se passa dentro do tumor.

“Ao descodificar a ‘carga’ molecular destes exossomas através de uma abordagem combinada podemos construir um mapa detalhado de como os cancros comunicam, crescem e escapam ao tratamento”, explica Semreen. “Isto oferece aos investigadores uma nova forma de descobrir biomarcadores precisos e fiáveis ​​que possam detetar o cancro precocemente, prever o quão agressivo se pode tornar e monitorizar como os doentes respondem à terapia.”

O papel da inteligência artificial

Os exossomas são partículas minúsculas libertadas pelas células humanas que circulam livremente nos fluidos corporais. Como transportam assinaturas moleculares de células cancerígenas, um exame de sangue ou urina de rotina pode, um dia, oferecer um método precoce e não invasivo para detetar o cancro.

Os avanços atuais na Inteligência Artificial (IA) estão a acelerar este progresso ao analisar grandes quantidades de conjuntos de dados moleculares para descobrir padrões invisíveis ao olho humano, ajudando a obter uma identificação mais rápida e precisa de biomarcadores fiáveis ​​para o cancro.

Semreen considera esta abordagem “poderosa” porque “os exossomas podem ser recolhidos de fluidos corporais simples, como sangue ou urina, o que significa que, um dia, o cancro poderá ser rastreado através de uma biópsia líquida não invasiva, em vez de dolorosas amostras de tecido”.

Longe de serem meros espetadores passivos, os exossomas influenciam a disseminação tumoral, a evasão imunitária e a resistência aos medicamentos, tornando-os tanto mensageiros como manipuladores no processo cancerígeno, sublinham os autores.

O artigo destaca como a combinação de dados com inteligência artificial pode desvendar a enorme complexidade destas vesículas para identificar sinais clinicamente relevantes. Esta integração aproxima os cientistas de diagnósticos de cancro personalizados e preditivos — em que um exame de sangue de rotina poderia revelar os primeiros sinais da doença e orientar as decisões de tratamento com uma precisão sem precedentes.

Com o cancro a permanecer uma das principais causas de morte no mundo, a revisão destaca o potencial dos exames de sangue ou urina assistidos por IA para detetar a doença de forma rápida e fácil — antes do aparecimento de sintomas e da disseminação de células cancerígenas — possibilitando uma intervenção precoce e melhorando os resultados do tratamento.

Uma em cada cinco pessoas vai ter cancro

De acordo com a Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC), contaram-se qualquer coisa como 20 milhões de novos casos de cancro e quase 10 milhões de mortes em 2022, com cerca de 53,5 milhões de pessoas a permanecerem vivas cinco anos após o diagnóstico de cancro. Estatisticamente, cerca de uma em cada cinco pessoas irá desenvolver cancro durante a sua vida, enquanto aproximadamente um em cada nove homens e uma em cada 12 mulheres morrem com a doença.

A autora principal do estudo, Fatima Maher Al-Daffaie, considera que “os exossomas transportam os sussurros das células cancerígenas — estamos a aprender a ouvi-los. Ao descodificar os exossomas, podemos detetar o cancro mais cedo e tratá-lo de forma mais inteligente. O nosso objetivo é transformar um simples exame de sangue numa poderosa ferramenta de diagnóstico. Estes nanomensageiros dão-nos uma visão em tempo real do que está a acontecer dentro dos tumores. O que antes exigia cirurgia poderá em breve ser feito com uma gota de sangue”.

Questionado sobre as implicações práticas da investigação, Semreen refere que as descobertas podem remodelar a forma como o cancro é detetado e tratado no futuro. “A aplicação mais imediata é o desenvolvimento de biópsias líquidas — simples análises ao sangue ou à urina que analisam os exossomas para detetar o cancro nas suas fases iniciais, monitorizar a resposta ao tratamento e até prever as recidivas antes do aparecimento dos sintomas.”

E acrescenta: “Como os exossomas transportam as mesmas impressões digitais moleculares das suas células tumorais de origem, fornecem um retrato em tempo real e não invasivo do que está a acontecer dentro do corpo. Isto pode permitir aos médicos abandonar as biópsias de tecido tradicionais em favor de testes mais seguros, rápidos e repetíveis que acompanham a doença ao longo do tempo”.

Melhorar o tratamento

Uma segunda fronteira promissora reside na utilização de exossomas como veículos naturais de administração de fármacos. “Estas vesículas à escala nano podem ser concebidas para transportar medicamentos anticancerígenos, moléculas de RNA ou até mesmo ferramentas de edição genética diretamente para as células tumorais. A sua compatibilidade natural com o corpo humano significa que podem administrar tratamentos precisamente onde são necessários, reduzindo os efeitos secundários e aumentando a eficácia”.

Ahmad Abuhelwa, professor associado de Farmacologia Clínica e Farmacometria na Universidade de Sharjah e coautor do estudo, não tem dúvidas que “os exossomas oferecem um retrato vivo do comportamento do cancro. Ao analisar as suas assinaturas moleculares, podemos personalizar o tratamento e monitorizar como o tumor de cada doente evolui ao longo do tempo”.

“O que torna esta investigação tão entusiasmante é o seu potencial para revolucionar o diagnóstico. Ao integrar dados multiómicos e inteligência artificial, podemos interpretar a vasta complexidade da biologia do cancro de uma forma clinicamente aplicável. Este é um passo para tornar a oncologia de precisão não apenas um conceito, mas uma realidade na prática médica de rotina”, prossegue.

Questionados sobre se a investigação tinha despertado o interesse da indústria ou das instituições de saúde, os autores afirmaram que ainda não foram estabelecidas colaborações formais, embora a área esteja a atrair uma atenção global significativa. Os diagnósticos baseados em exossomas e as tecnologias de biópsia líquida estão entre os campos de crescimento mais rápido na medicina de precisão, atraindo grandes investimentos de empresas de biotecnologia e farmacêuticas.

“À medida que o nosso trabalho continua a conectar a ciência da descoberta com as aplicações clínicas, esperamos que se formem novas parcerias — particularmente com empresas e institutos de investigação interessados ​​no desenvolvimento de diagnósticos de cancro de próxima geração e ferramentas de monitorização personalizada”, confirma Semreen.

 

Crédito imagem: Pexels

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