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Portugal é dos países que menos recruta para ensaios clínicos

ensaios clínicos

O processo de avaliação da exequibilidade, aprovação e início de ensaios clínicos em Portugal é longo, alerta Fátima Cardoso, oncologista, na Fundação Champalimaud, e um dos elementos do ‘steering committee’ do evento ‘ONCOT3 – From inspiration to practice’, que se realiza no  Dia Internacional dos Ensaios Clínicos e que serve para alertar para o que perde o País por não conseguir ser competitivo ao nível dos ensaios clínicos.

“Como iniciamos o recrutamento de doentes nos ensaios mais tarde, acabamos por ter muito menos tempo de recrutamento, o que nos coloca entre os países que menos recrutam. E isso dá-nos uma má reputação”, refere a especialista, que considera serem necessários “mais recursos humanos nos diferentes organismos que precisam de aprovar os ensaios clínicos e uma organização também diferente e a utilização de outras ferramentas que possam acelerar todo este processo. Porque nós já temos um ‘handicap’, que não podemos eliminar, que é o facto de sermos um país pequeno. Ainda assim, há outros países com uma dimensão semelhante e que conseguem ser bons recrutadores. Parece que tudo se resume, aqui, à organização”.

A estes problemas junta-se ainda o facto de, no País, “praticamente não existirem locais onde se podem abrir ensaios clínicos de fase 1. Até há bem pouco tempo, não havia nenhum local e há agora esforços a serem feitos, tanto no IPO do Porto, como no Hospital de Santa Maria, mas nós acabamos apenas por conseguir participar no desenvolvimento de um medicamento quando ele já está em fases mais avançadas, o que também nos torna menos atrativos”.

A burocracia é, de acordo com a especialista, um dos fatores que justifica o reduzido número de ensaios clínicos realizados no nosso país. “O processo de negociação de contratos [com entidades regulamentares e administrações hospitalares] estende-se, por vezes, de forma incompreensível e inaceitável”, confirma.

E se tempos houve em que era possível dar início a um ensaio num espaço de tempo inferior a seis meses, ainda que o ideal seja, segundo Fátima Cardoso, três meses, essa não é a realidade atual. “Nós agora estamos outra vez mais atrasados. Depois, há um problema a nível das próprias instituições, que tem a ver com as dificuldades que estamos a enfrentar na saúde e não apenas no Serviço Nacional de Saúde, mas em todo o sistema, que é a falta de recursos para realizar ensaios clínicos, que não podem ser considerados um luxo, mas algo de que os nossos doentes precisam. Para isso, é também obrigatório que existam condições, sobretudo ao nível de recursos humanos, para se poderem fazer, por exemplo, consultas no âmbito de um ensaio, que demoram mais tempo do que uma consulta normal. Em alguns locais, está a ser exigido aos médicos que façam consultas de 15 minutos e é impossível fazer uma consulta de ensaio clínico neste tempo.”

A melhoria na literacia em saúde justifica, segundo a especialista, a relativa vontade, por parte dos doentes, de participarem em ensaios clínicos. “Em qualquer área em que se esteja a lidar com doenças graves para as quais não existe cura, há uma abertura muito maior dos doentes para participarem em ensaios clínicos, porque compreendem que é a possibilidade de terem acesso a novos medicamentos, a outras opções de tratamento, além das habituais.”

As muitas vantagens de se fazerem ensaios clínicos

Mas para que é que precisamos de ensaios clínicos? As vantagens são várias. Primeiro, para o doente: “o objetivo é provar que o novo medicamento tem a probabilidade de ser melhor do que o tratamento tradicional. Mas aquilo que se sabe, porque há vários estudos que o mostram, é que os doentes que estão incluídos em ensaios clínicos têm globalmente uma qualidade de cuidados superior. Ou seja, o facto de entrarem num ensaio clínico só por si já traz benefícios, existindo depois o potencial benefício de o tratamento ser efetivamente melhor”.

Vantagens que se estendem à instituição que os realiza e ao próprio País. “A verdade é que uma unidade de ensaios clínicos, se for bem gerida, permite não só o retorno do investimento, mas também, por exemplo, investir esse retorno naquilo que se chama investigação académica, na tentativa de responder a perguntas que são clinicamente muito importantes e indispensáveis para podermos tratar os diferentes tipos de doentes. Se for bem gerido, o desenvolvimento de novos tratamentos é benéfico para centro oncológico, para o Estado, para a indústria e para qualquer outro organismo.”

Não há, por isso, defende Fátima Cardoso, “motivo para não se realizarem mais ensaios clínicos em Portugal. Às vezes, é falta de visão, de organização e de se pensar que a indústria tem apenas objetivos financeiros. É evidente que cada um tem os seus interesses, mas todos queremos melhorar a vida dos doentes e não o conseguimos fazer se não for através do desenvolvimento de novos e melhores tratamentos”.

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