Uma equipa da Universidade de Coimbra (UC) está a desenvolver um projeto de investigação na comunidade escolar para avaliar a viabilidade e a eficácia de um programa de intervenção focado na compaixão para melhorar a saúde mental e o bem-estar de pessoal docente e não docente, alunos e pais.
O projeto “Escolas Compassivas” pretende promover o bem-estar e a saúde mental de toda a comunidade escolar e contribuir para o desenvolvimento e a sustentabilidade de uma cultura escolar mais cooperante, compassiva e resiliente, suportada por todos os agentes educativos.
Os resultados, já publicados em dois estudos, revelam que a intervenção focada na compaixão que foi implementada nos professores – o Treino da Mente Compassiva para Professores (Compassionate Mind Training for Teachers) – é viável e altamente promissora.
Revelou-se eficaz na promoção da compaixão (em relação ao eu e aos outros) e do bem-estar e na redução de sintomas de depressão, de ansiedade e stress, de burnout e do sofrimento psicofisiológico dos professores.
A equipa de investigação estima que esta intervenção possa ser implementada a nível nacional, para que professores e psicólogos de escolas portuguesas possam também utilizá-la, depois de devidamente formados, com vista à promoção do bem-estar e da saúde mental dos professores.
A implementação desta intervenção no âmbito destes dois estudos foi realizada junto de cerca de 200 professores, de escolas de meios urbanos, semiurbanos e rurais da Região Centro (Coimbra, Nelas, Satão e Viseu), que têm inscritos alunos de diferentes perfis socioeconómicos e comportamentais.
O foco na compaixão
A investigação é liderada por Marcela Matos, investigadora doutorada da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) e do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo Comportamental (CINEICC) e integra o projeto internacional “Escolas Compassivas”, financiado pela Reed Foundation e pela Compassionate Mind Foundation, que arrancou no final de 2017.
Implementado em Portugal e no Reino Unido, o objetivo é “perceber a viabilidade e a eficácia não apenas nos dois países, individualmente, mas também em termos transculturais, entendendo em que medida é que este mesmo programa se mostra eficaz quando aplicado em países com sistemas educativos diferentes”, salienta Marcela Matos.
O Treino da Mente Compassiva é uma intervenção focada na compaixão, parte integrante de uma abordagem psicoterapêutica chamada Terapia Focada na Compaixão (Compassion Focused Therapy), desenvolvida por Paul Gilbert (Universidade de Derby, Reino Unido).
“É uma abordagem biopsicossocial, evolucionária, baseada em evidências, que pode ser aplicada não apenas a populações clínicas, mas à população em geral e a grupos específicos”, refere Marcela Matos.
A investigadora da UC explica que esta intervenção “pretende que as pessoas desenvolvam competências sociais, cognitivas, emocionais e comportamentais associadas à sua motivação/capacidade para a compaixão, desenvolvendo e treinando competências para serem mais compassivas para com elas mesmas, mais compassivas para com os outros, estarem mais disponíveis para receber ajuda e suporte por parte dos outros e a serem menos autocríticas”.
Aqui, pretende-se desenvolver e estimular sistemas biofisiológicos específicos associados ao bem-estar e à forma como o nosso corpo responde ao stress, e treinam-se competências de regulação das emoções (como os estados emocionais negativos, que emergem perante as dificuldades da vida), formas de estar nas relações interpessoais (nomeadamente, no contexto profissional), como também competências comportamentais para lidar de forma adaptativa com as dificuldades e os desafios da vida.
O Treino da Mente Compassiva é aplicado com recurso a psicoeducação e a um conjunto de exercícios e de práticas experienciais baseadas no mindfulness, no treino da atenção, em práticas de imaginação focadas na compaixão e em exercícios comportamentais, estimulando momentos de partilha e de reflexão.
Melhorias a longo prazo
Em termos científicos, e de acordo com esta abordagem, a compaixão é “uma sensibilidade ao sofrimento, no próprio e nos outros, a par de um profundo compromisso para tentar aliviar ou prevenir este sofrimento”. Envolve “coragem, para nos aproximarmos e lidarmos com o sofrimento, e sabedoria e compromisso, para desenvolvermos competências para lidar com as situações difíceis”, frisa a investigadora.
A coordenadora da investigação destaca o facto de os professores terem recebido bem esta intervenção, tendo sido avaliada “como sendo implementada com elevada qualidade e como sendo uma intervenção útil para a sua vida pessoal e profissional”.
A investigadora explica que os dados colhidos nas intervenções, agora publicados em dois estudos, revelam o aumento do afeto positivo, que faz com que “as pessoas se sintam mais seguras, mais ligadas aos outros, mais relaxadas e com maior vitalidade e energia, estando mais motivadas para lidar com as dificuldades e desafios da vida”.
Um dos principais resultados foi o impacto da intervenção em sistemas fisiológicos específicos. Marcela Matos explica que “os professores que realizaram esta intervenção revelaram melhorias na variabilidade cardíaca, um indicador da ativação do nosso sistema nervoso autónomo parassimpático relacionado com a forma como o corpo regula fisiologicamente o stress, associado a sentimentos de segurança, contentamento e calma e a uma maior capacidade de auto-tranquilização face ao stress“, apresentando, assim, “melhorias na sua capacidade de regular o stress”.
Com a compaixão reduziram-se também os níveis de burnout (como exaustão física, emocional e cognitiva) dos professores, tratando-se este de um “aspeto fundamental da sua saúde mental”.
Outro resultado muito significativo foi a manutenção dos ganhos ao longo do tempo. “As melhorias encontradas após a intervenção foram mantidas” e “não houve agravamento da sua saúde mental e psicológica”, afirma Marcela Matos.
Avaliação do impacto da compaixão vai continuar
A próxima etapa do projeto de investigação arranca em setembro de 2022, em que três intervenções específicas de Treino da Mente Compassiva vão ser implementadas a outros agentes da comunidade educativa: crianças, adolescentes e pais. Na fase final do projeto, pretende-se que os professores que realizem esta formação possam vir a implementar, eles próprios e em contexto escolar, a intervenção aos seus alunos.
A par destas ações, decorrem também dois outros estudos. Um dos estudos que está a ser desenvolvido pretende “avaliar em que medida esta intervenção é eficaz se for implementada noutras escolas, por profissionais de saúde mental que tiveram formação com a equipa que desenvolveu o programa de intervenção”, explica Marcela Matos.
O trabalho já está em curso junto de uma equipa de Guimarães, estando a ser implementado em agrupamentos escolares do município.
O outro estudo está a ser desenvolvido para “compreender em que medida é que o Treino da Mente Compassiva tem impacto, não apenas em indicadores de saúde psicológica, mas também em indicadores fisiológicos, autonómicos, neuroendócrinos, imunológicos, e epigenéticos de stress e de pró-sociabilidade”, adianta a investigadora da UC.