Um grupo de investigadores espanhóis publicou um artigo científico que pode ajudar a identificar os casos mais graves de pneumonia causada pelo novo coronavírus e, por consequência, os que precisam de internamento nas Unidades de Cuidados Intensivo, e oferece pistas sobre possíveis tratamentos.
Realizado por especialistas do Instituto de Investigação Biomédica de Salamanca (IBSAL) e do Hospital Universitário Río Hortega, em Valladolid, e publicado na revista científica Journal of Infection, o artigo teve por base investigações e dados anteriores sobre os primeiros doentes na China, que serviu para identificar um “caminho fisiopatológico” capaz de ajudar os profissionais que estão na linha da frente do combate à pandemia a identificar os casos mais graves da doença.
Sabe-se que os doentes mais graves apresentam a chamada “pneumonia com linfopenia”, assim chamada porque se caracteriza por linfopenia, ou seja, um número inferior ao normal de linfócitos (um tipo de glóbulos brancos) no sangue.
Há dois anos, estes mesmos especialistas tinham já realizado a avaliação de quase 4.000 pessoas com pneumonia comunitária que precisaram de ser hospitalizadas e verificado que, “na linfopenia, os doentes tiveram um prognóstico pior”, explica Jesús Bermejo, primeiro autor do estudo.
De facto, esses doentes tinham até duas vezes mais risco de morte a 30 dias, além de outros sintomas, como aumento da inflamação. A isto juntava-se uma “desregulação imunitária” devido ao baixo número de linfócitos B e T, o que os tornava mais vulneráveis.
Quando os primeiros dados sobre o coronavírus começaram a aparecer na China, há algumas semanas, Bermejo e os colegas reviram o número de linfócitos correspondentes a cada caso. “Começamos a ver que os doentes críticos tinham linfopenia e outros marcadores que correspondiam à pneumonia com linfopenia que tínhamos descrito”, refere.
Agora, com este novo estudo, procuram alertar os especialistas para o facto de que os doentes mais graves com COVID-19 têm essa patologia e, por isso, pior prognóstico, mais inflamação e desregulação imunitária.
Uma pneumonia diferente
Na atual situação de pandemia, esta é uma informação considerada relevante e com interesse duplo, tanto científico como médico. “Vemos novamente que é um tipo específico de pneumonia que já estudamos e, portanto, fica claro que implica uma má evolução”, afirma Bermejo.
Além disso, esta patologia denota a existência de uma alteração no sistema imunitário dos doentes e, embora o motivo não esteja claro, os autores do artigo oferecem uma hipótese: as pessoas com a forma mais grave da doença costumam ter pressão alta, diabetes e doenças cardiovasculares, além de provavelmente danos no endotélio vascular, um tecido que reveste o interior de todos os vasos sanguíneos e do coração.
“Quando alguém sofre este dano endotelial, pode perder linfócitos em caso de infeção”, acrescenta o especialista.
Assim, “uma pessoa pode ter danificado o endotélio por sofrer hipertensão durante anos. Se ficar infetado, os linfócitos precisam de passar pelo endotélio para chegar ao foco da infeção, mas se este estiver muito danificado, vão-se perder ao longo do caminho.”
Um mecanismo que pode explicar porque é que, nos casos graves de COVID-19, é registado um número baixo desse tipo de glóbulos brancos, cuja missão é justamente combater infeções.
Deteção atempada dos casos mais graves
Mas este trabalho tem ainda uma aplicação muito prática: ajudar a decidir quais os doentes com coronavírus que devem ir a Unidade de Cuidados Intensivos (UCI).
“Desde o início, ficou claro para nós que baixos níveis de linfócitos podem servir para estratificar a gravidade, especialmente numa situação de saturação sanitária como a que estamos a enfrentar em cidades como Madrid”, refere.
Por isso, se um caso de pneumonia com linfopenia chegar, os médicos já sabem que o seu prognóstico é mau e que deve ser monitorizado mais de perto. O teste de contagem de linfócitos é simples e está disponível em todos os hospitais, podendo tornar-se um dos marcadores que, além de estar associado ao COVID-19, pode indicar a necessidade de terapia intensiva.
Mas pode também ajudar na cura, pois abre a porta a possíveis abordagens terapêuticas. “Por vezes, o primeiro tratamento importante é encaminhar para a UCI, porque receber suporte de vida pode salvar a vida de uma pessoa”.
Além disso, em certos casos, o diagnóstico de pneumonia com linfopenia pode ser a chave para a abordagem terapêutica. “Precisamos de determinar a causa que explica os baixos níveis de linfócitos em doentes graves. Pode ser devido à morte celular ou migração maciça para os pulmões, não se sabe”, refere o investigador.
Isso é importante porque pode abrir opções terapêuticas concorrentes: estimular a produção de linfócitos (que podem servir para prevenir infeções secundárias) ou usar medicamentos para impedir a sua migração para os pulmões.