Um estudo observacional publicado na revista The Lancet Global Health contabiliza mais de 600.000 novos casos de cancro do colo do útero e mais de 340.000 mortes em todo o mundo em 2020. E embora este tipo de tumor tenha diminuído em muitas regiões do mundo nas últimas três décadas, o fardo continua a ser elevado em muitos países.
O desenvolvimento de programas eficazes de vacinação e rastreio do HPV tornou o cancro do colo do útero uma doença evitável. Em 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou o objetivo de acelerar a eliminação do cancro do colo do útero enquanto problema de saúde pública, visando reduzir a incidência abaixo do limiar de quatro casos por 100.000 mulheres por ano em todos os países até 2030.
Este estudo acompanha os progressos feitos e identifica os países e regiões onde os esforços requerem um aumento para atingir os objetivos da OMS.
Deependra Singh, especialista da Agência Internacional de Investigação do Cancro (IARC)/OMS, afirma que “a vacinação contra o HPV e as tecnologias de rastreio significam que o cancro do colo do útero é agora largamente evitável. O nosso estudo considera encorajadoras as reduções em alguns países mais ricos na sequência da implementação bem-sucedida de programas de vacinação e rastreio do HPV, como na Suécia, Austrália e Reino Unido, mas globalmente o fardo continua a ser elevado”.
E acrescenta: “em todo o mundo, as mulheres deveriam estar livres do risco de cancro evitável e com o desenvolvimento de vacinas e rastreios eficazes ao longo dos últimos 20 anos, temos as ferramentas para tornar isto uma realidade”.
Taxas de mortalidade por cancro do colo do útero ainda altas
O estudo utilizou a base de dados GLOBOCAN 2020, do IARC, para estimar o peso da incidência do cancro do colo do útero e as taxas de mortalidade em 185 países. Além disso, analisou a relação entre os casos de cancro do colo do útero e as mortes em relação aos níveis nacionais de desenvolvimento socioeconómico. Finalmente, foram ainda avaliados os dados de 1988 a 2017 para identificar tendências de aumento e diminuição.
Em 2020, as taxas de casos de cancro do colo do útero foram de 13 por 100.000 mulheres por ano e houve sete mortes por 100.000 mulheres por ano. Em 172 dos 185 países, as taxas de incidência continuaram a exceder os quatro casos por cada 100.000 mulheres por ano, o limiar de eliminação estabelecido pela OMS.
As taxas variavam significativamente entre países, com uma diferença que pode chegar às 40 vezes mais nos casos e 50 vezes mais nas mortes: de dois casos no Iraque a 84 casos na Suazilândia, em África, por 100.000 mulheres por ano.
Já as taxas de mortalidade variaram de uma morte na Suíça a 56 mortes na Suazilândia por 100.000 mulheres por ano.
Encontrou-se uma desigualdade socioeconómica substancial no cancro do colo do útero a nível mundial, com taxas de mortalidade mais elevadas observadas em países com menor desenvolvimento socioeconómico.
O mapa dos casos e mortes
Ao olhar para os dados de tendências de 1988 a 2017, os autores observaram grandes declínios nos casos em alguns países da América Latina, incluindo Brasil, Colômbia, e Costa Rica. Um padrão semelhante foi observado na Ásia, nomeadamente na Índia, Tailândia e Coreia do Sul, bem como na Europa de Leste – Polónia, Eslovénia e República Checa.
Contudo, houve aumentos de casos na Europa Oriental, na Letónia, Lituânia e Bulgária, e na África Oriental na última década, bem como nos Países Baixos e Itália. As razões para os aumentos recentes podem incluir o aumento da prevalência do HPV entre as gerações mais jovens de mulheres e a falta de programas de rastreio eficazes.
Os países com as maiores diminuições médias das taxas de incidência por ano incluíram o Brasil (8%), Eslovénia (7%), Kuwait (7%) e Chile (6%), enquanto os maiores aumentos nas taxas foram na Letónia (4%), Japão (3%), Irlanda (3%), Suécia (3%), Noruega (2%), Irlanda do Norte (2%), Estónia (2%), e China (2%).
Valentina Lorenzoni, especialista da Scuola Superiore Sant’Anna, em Itália, considera que “os casos de cancro do colo do útero são muito mais elevados do que o limiar acordado pela iniciativa da OMS sobre a eliminação deste tumor na maioria dos países, indicando que ainda há muito trabalho a ser feito antes de 2030. Embora uma diminuição da intensidade do rastreio devido à pandemia de COVID-19 possa ter deixado um novo grupo de mulheres suscetíveis, a pandemia também impulsionou a introdução de testes de HPV autoadministrados, oferecendo novas possibilidades para aumentar a cobertura do rastreio”.
Ainda de acordo com a especialista, “outros novos avanços, tais como a ablação térmica para o tratamento do pré-cancro cervical, a utilização de telemóveis para melhorar o seguimento após o rastreio e a aprendizagem de máquinas para melhorar a avaliação visual, também podem ser utilizados em cenários de poucos recursos para reduzir as taxas de cancro do colo do útero”.