Podem os alimentos altamente processados ser viciantes? Esta é uma questão que os investigadores debatem há anos, já que dietas pouco saudáveis são muitas vezes compostas por alimentos carregados de hidratos de carbono refinados e gorduras adicionadas. Para encontrar uma solução, uma nova análise da Universidade de Michigan e da Virginia Tech, nos EUA, deitou mãos à obra.
Com base nos critérios estabelecidos para o tabaco, os resultados indicam que os alimentos altamente processados podem ser viciantes, confirma a principal autora Ashley Gearhardt, professora associada de psicologia e Alexandra DiFeliceantonio, professora assistente do Fralin Biomedical Research Institute na Virginia Tech.
De facto, o potencial viciante de alimentos como batatas fritas, biscoitos, gelados, entre outros, pode ser um fator-chave que contribui para os elevados gastos de saúde pública associados a um ambiente alimentar dominado por alimentos altamente processados, baratos, acessíveis e fortemente comercializados.
A pesquisa, publicada na edição atual da revista Addiction, oferece evidências de que os alimentos altamente processados respondem aos mesmos critérios usados para identificar os cigarros como substâncias viciantes. Senão veja-se: desencadeiam o uso compulsivo, onde as pessoas são incapazes de parar ou reduzir (mesmo perante doenças que colocam a vida em risco, como diabetes e doenças cardíacas); podem mudar a forma como nos sentimos e causar alterações no cérebro de magnitude semelhante à da nicotina nos produtos do tabaco; desencadeiam desejos.
“É importante notar que não há um biomarcador no cérebro que nos diga se algo é viciante ou não”, explica Gearhardt. “Identificar que os produtos de tabaco eram viciantes realmente resumia-se a estes critérios, que resistiram a décadas de avaliação científica. Os alimentos altamente processados atendem a cada um desses critérios.”
DiFeliceantonio considera que a capacidade dos alimentos altamente processados fornecerem rapidamente doses elevadas, não naturais, de hidratos de carbono refinados e de gordura parece ser a chave para seu potencial viciante.
Agir para travar adição a alimentos altamente processados
Os alimentos altamente processados contêm substâncias complexas, que não podem ser resumidas a um único agente químico capaz de agir através de um mecanismo central específico. O mesmo pode ser dito para os produtos de tabaco industrial, que contêm milhares de produtos químicos, incluindo nicotina, diz Gearhardt.
Quando, há 30 anos, surgiu um relatório com os critérios que atribuíram a indicação de viciante ao tabaco, este era a maior causa de morte evitável. Mas muitas pessoas e fabricantes de tabaco resistiram a aceitar a sua natureza viciante e prejudicial, o que “atrasou a implementação de estratégias eficazes para lidar com esta crise de saúde pública, que custou milhões de vidas”, defende Gearhardt.
“Quando percebemos que os produtos de tabaco eram viciantes, percebemos que fumar não era apenas uma escolha adulta, mas que as pessoas estavam a ficar viciadas e não conseguiam parar mesmo quando realmente queriam. A mesma coisa parece estar a acontecer com os alimentos processados e isso é particularmente preocupante porque as crianças são um dos principais alvos da publicidade desses produtos.”
Dietas pobres, dominadas por alimentos altamente processados, contribuem agora para mortes evitáveis ao mesmo nível dos cigarros. Tal como os produtos do tabaco, a indústria de alimentos projeta os seus alimentos altamente processados para serem intensamente recompensadores e difíceis de resistir, consideram os especialistas.
“É hora de parar de pensar em alimentos altamente processados apenas como alimentos, mas olhá-los como substâncias altamente refinadas que podem ser viciantes”, alerta DiFeliceantonio.