Uma equipa de investigadores internacionais desenvolveu uma ferramenta de inteligência artificial (IA) capaz de prever quais as doentes com cancro da mama que podem estar em risco de sofrer efeitos secundários após a cirurgia e a radioterapia.
Tim Rattay referiu, na 14ª Conferência Europeia sobre o Cancro da Mama (EBCC14), em Milão, que a ferramenta será testada num ensaio clínico que começará a recrutar no último trimestre deste ano em três países: França, Países Baixos e Reino Unido.
“É uma ferramenta de IA explicável, o que significa que mostra o raciocínio por detrás das suas decisões. Isto facilita não só a tomada de decisões por parte dos médicos, mas também a apresentação de explicações baseadas em dados aos seus doentes”, afirma Rattay, cirurgião mamário e professor associado no Centro de Investigação do Cancro de Leicester, na Universidade de Leicester (Reino Unido).
Alguns dos fatores que aumentam o risco de efeitos secundários já são conhecidos, mas o projeto PRE-ACT (Prediction of Radiotherapy side Effects using explainable AI for patient Communication and Treatment modification) visa fazer previsões mais precisas para cada doente individual, bem como fornecer explicações facilmente compreensíveis para médicos e doentes.
“Felizmente, as taxas de sobrevivência a longo prazo do cancro da mama continuam a aumentar. Mas, para algumas doentes, isso significa ter de viver com os efeitos secundários do tratamento. Estes incluem alterações na pele, cicatrizes, linfedema, que é um inchaço doloroso do braço, e até mesmo danos no coração devido ao tratamento com radiação. É por isso que estamos a desenvolver uma ferramenta de IA para informar os médicos e os doentes sobre o risco de inchaço crónico do braço após a cirurgia e a radioterapia do cancro da mama. Esperamos que esta ferramenta ajude os médicos e as doentes a escolher as opções de tratamento por radiação e reduza os efeitos secundários para todas as doentes”, explica Rattay.
Esforços internacionais
Os investigadores de seis países europeus utilizaram informações de três conjuntos de dados, europeus e franceses (REQUITE, Hypo-G e CANTO), relativos a 6.361 doentes com cancro da mama para treinar diferentes algoritmos de aprendizagem automática e prever o inchaço do braço até três anos após a cirurgia e a radioterapia.
Guido Bologna, professor da Universidade de Ciências Aplicadas e Artes da Suíça Ocidental, em Genebra, e co-investigador do projeto, explica que “o modelo final, com melhor desempenho, faz previsões utilizando 32 características diferentes dos doentes com cancro da mama e do tratamento, incluindo o facto de os doentes terem ou não feito quimioterapia, a realização ou não de biópsia do gânglio linfático sentinela sob a axila e o tipo de radioterapia administrada”.
Ocorreu um linfedema significativo em 6% dos doentes nos três conjuntos de dados: a ferramenta de IA previu corretamente o linfedema numa média de 81,6% dos casos e identificou corretamente os doentes que não o desenvolveriam numa média de 72,9% dos casos. A precisão preditiva global do modelo foi de 73,4%.
“Os doentes identificados como apresentando um risco mais elevado de edema do braço poderiam beneficiar de medidas de apoio adicionais, como a utilização de uma manga de compressão do braço durante o tratamento, que demonstrou reduzir o edema do braço a longo prazo”, refere Rattay.
“Os médicos podem também utilizar esta informação para discutir as opções de irradiação dos gânglios linfáticos nos doentes em que o seu benefício pode ser bastante limitado. Vamos testar o efeito do modelo de previsão no comportamento dos médicos e dos doentes e na utilização da manga profilática no braço no ensaio clínico proposto.”
Modelo de IA para cancro da mama testado em breve
Os investigadores vão incorporar o atual modelo de IA num software que pode fornecer avaliações e previsões a médicos e doentes. Este modelo será testado quando o ensaio clínico PRE-ACT-01 começar, no final deste ano.
Estão também a desenvolver a ferramenta para que possa prever outros efeitos secundários, como lesões cutâneas e cardíacas. Como parte do ensaio, os investigadores irão recolher dados sobre marcadores genéticos e dados de imagiologia para melhorar a precisão das ferramentas de IA, embora estes não sejam utilizados para fazer previsões no ensaio PRE-ACT.
“Esperamos recrutar cerca de 780 doentes até ao início de 2026, com um período de acompanhamento de dois anos”, afirma Dr. Rattay.
Michail Ignatiadis, especialista do Institut Jules Bordet, em Bruxelas, Bélgica, presidente da 14ª Conferência Europeia sobre o Cancro da Mama e que não esteve envolvido na investigação, afirma que “o projeto PRE-ACT é um bom exemplo de como a colaboração internacional entre investigadores está a aproveitar o potencial da IA para tornar mais fácil para os médicos prever e tentar prevenir o linfedema do braço e explicar as opções aos seus doentes de uma forma compreensível”.