Uma dieta pobre em açúcar durante a gravidez e nos primeiros dois anos de vida pode reduzir significativamente o risco de doenças crónicas na idade adulta, concluiu um novo estudo, que fornece provas convincentes dos efeitos desta restrição no início da vida.
Publicado na revista Science, o estudo conclui que as crianças que estavam no útero ou nasceram durante períodos de restrições de açúcar que duraram 1.000 dias após a conceção apresentaram um risco até 35% menor de desenvolver diabetes tipo 2 e um risco até 20% menor sofrerem de pressão arterial elevada (hipertensão) quando adultos.
A exposição limitada ao açúcar antes do nascimento foi suficiente para reduzir os riscos, mas a restrição contínua após esse momento aumentou os benefícios.
Aproveitando uma “experiência natural” não intencional, que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, investigadores da Faculdade de Letras, Artes e Ciências da USC Dornsife, nos EUA, em colaboração com a Universidade McGill em Montreal, e a Universidade da Califórnia, examinaram como o racionamento de açúcar durante a guerra influenciou os resultados de saúde a longo prazo.
Em 1924, o Reino Unido introduziu limites à distribuição de açúcar enquanto como parte do seu programa de racionamento alimentar na sequência da guerra, racionamento que terminou em setembro de 1953.
Os investigadores utilizaram dados contemporâneos do Biobank do Reino Unido, uma base de dados de histórias médicas e fatores genéticos, de estilo de vida e outros fatores de risco, para estudar o efeito destas restrições no início da vida e mais tarde nos adultos concebidos no Reino Unido.
“Estudar os efeitos a longo prazo do açúcar na saúde é um desafio”, afirma a principal autora do estudo, Tadeja Gracner, da USC Dornsife. “É difícil encontrar situações em que as pessoas são expostas aleatoriamente a diferentes ambientes nutricionais no início da vida e os acompanham durante 50 a 60 anos. O fim do racionamento proporcionou-nos uma nova experiência natural para ultrapassar estes problemas.”
Fim do racionamento de açúcar e o aumento do consumo
A ingestão de açúcar durante o racionamento foi de cerca de 8 colheres de chá (40 gramas) por dia, em média. Quando o racionamento terminou, o consumo quase duplicou, para cerca de 16 colheres de chá (80 gramas) por dia.
Notavelmente, o racionamento não envolveu privação alimentar extrema em geral. De facto, as dietas pareciam estar geralmente dentro das diretrizes atuais definidas pela Organização Mundial de Saúde, que recomendam a ausência de açúcares adicionados para crianças com menos de dois anos e não mais de 12 colheres de chá (50g ) do adicionado diariamente para adultos.
O aumento imediato e grande do consumo de açúcar – mas de nenhum outro alimento – após o fim do racionamento criou uma experiência natural interessante: os indivíduos foram provavelmente expostos a diferentes níveis de açúcar no início da vida, dependendo se foram concebidos ou nasceram antes ou depois de setembro de 1953: aqueles que foram concebidos ou nasceram pouco antes do fim do racionamento foram alvo de condições de escassez de açúcar, face aos que nasceram num ambiente mais rico logo após o fim do racionamento.
Os investigadores examinaram 50 anos de dados sobre os indivíduos nascidos nesse período e puderam comparar os resultados de saúde na meia-idade, confirmando que viver o período de restrição de açúcar durante os primeiros 1000 dias de vida reduziu substancialmente o risco de diabetes e hipertensão.
Para aqueles que foram posteriormente diagnosticados com qualquer uma destas condições, o início da doença foi atrasado em quatro anis, no caso da diabetes, e dois anos, quando se tratou da hipertensão.
Notavelmente, as restrições de açúcar apenas no útero foram suficiente para reduzir os riscos, e a proteção contra doenças aumentou quando uma dieta com baixo teor de açúcar continuou após o nascimento, provavelmente quando os alimentos sólidos foram introduzidos.
Benefícios da dieta com baixo teor de açúcar no início da vida
A magnitude deste efeito é significativa, uma vez que pode reduzir os custos dos cuidados de saúde, prolongar a esperança de vida e, talvez mais importante, melhorar a qualidade de vida, afirmam os investigadores.
Até porque desenvolver diabetes numa idade mais precoce reduz significativamente a esperança de vida: cada década em que a diabetes se desenvolve mais cedo reduz em três a quatro anos a esperança de vida, números que sublinham a importância de intervenções precoces para atrasar ou prevenir a doença.
Os especialistas estão cada vez mais preocupados com a saúde das crianças a longo prazo, uma vez que estas consomem quantidades excessivas de açúcares adicionados durante o seu desenvolvimento inicial, um período crítico para a saúde ao longo da vida. Ajustar o consumo de açúcar pelas crianças, no entanto, não é fácil, já que estes está em todo o lado, mesmo em alimentos para bebés e crianças pequenas, e as crianças são bombardeadas com anúncios televisivos de snacks açucarados, dizem os investigadores.
“Os pais precisam de informações sobre o que funciona, e este estudo fornece algumas das primeiras evidências causais de que a redução do açúcar adicionado no início da vida é um passo poderoso para melhorar a saúde das crianças ao longo da mesma”, afirma a coautora do estudo, Claire Boone, da Universidade McGill.
“O açúcar nos primeiros anos de vida é o novo tabaco, e deveríamos tratá-lo como tal, responsabilizando as empresas alimentares pela reformulação dos alimentos para bebés com opções mais saudáveis”, acrescenta Paul Gertler, coautor da UC Berkeley e do National Bureau of Economics Research.