
O maior estudo sobre grávidas com náuseas e enjoos graves (hiperemese gravídica) considera que existem riscos acrescidos de diversos problemas neuropsiquiátricos e de saúde mental para estas mulheres.
Investigadores do King’s College London and South London e do Maudsley NHS Foundation Trust realizaram um estudo que envolveu 476.857 grávidas diagnosticadas com enjoos graves na gravidez (hiperemese gravídica), o primeiro a explorar uma série de resultados neuropsiquiátricos e de saúde mental para mulheres que enfrentam a situação de vómitos excessivos.
Sabe-se que os enjoos graves na gravidez afeta até 3,6% de todas as gravidezes e é a causa mais comum de hospitalização no primeiro trimestre da gravidez, sendo que a maioria dos casos (mas não todos) se resolvem a partir do segundo trimestre.
As mulheres com enjoos graves na gravidez apresentam náuseas e vómitos prolongados e intensos, levando à desidratação e perda de peso. Podem sentir ansiedade ao sair de casa, isolamento e insegurança quanto à capacidade de lidar com o resto da gravidez e relatam diversos desafios de saúde mental, como ansiedade e depressão, com mais de metade a considerar a interrupção da gravidez.
Os fatores de risco maternos para aos enjoos graves na gravidez variam muito, desde fatores biológicos (doenças da tiroide e paratiroide, diabetes tipo 1 ou história de gravidezes anteriores) até à privação socioeconómica e etnia. Além disso, um estudo publicado no ano passado identificou que a sensibilidade a uma hormona chamada GDF-15 pode ser um fator determinante para esta perturbação.
Neste estudo, os investigadores analisaram 24 resultados neuropsiquiátricos e associados à saúde mental relatados no prazo de um ano após o diagnóstico, tendo encontrado um risco aumentado em mais de 50% para 13 condições, incluindo psicose pós-parto e perturbação de stress pós-traumático.
Os riscos foram duplicados para a encefalopatia de Wernicke (condição neurológica causada pela deficiência de vitamina B1), síndrome de realimentação (complicações que surgem quando o alimento é introduzido muito rapidamente a alguém desnutrido), distúrbios alimentares e depressão, sobretudo depressão pós-parto, que era 2,7 vezes mais provável.
Hamilton Morrin, especialista do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociências do King’s College London, refere que “muitas grávidas apresentam náuseas e vómitos, mas, para as mulheres com enjoos graves na gravidez, isto ocorre a um nível que está longe do ‘normal’ e, como tal, pode ser profundamente debilitante”.
“Embora já soubéssemos, através de pesquisas anteriores, que as mulheres com este problema apresentam um risco aumentado de ansiedade, depressão e perturbação de stress pós-traumático, o nosso estudo não só confirmou estes achados, como também demonstrou um risco aumentado de problemas graves de saúde mental, incluindo psicose e perturbações alimentares, bem como um risco acrescido de encefalopatia de Wernicke, uma perturbação neuropsiquiátrica grave em que a deficiência da vitamina leva a problemas de memória e coordenação. Muitas destas condições justificariam o encaminhamento urgente para serviços especializados para avaliação e tratamento urgentes, de forma a garantir a segurança da mãe e do bebé”, refere o especialista.
Na CID-11, a mais recente Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde, a hiperemese gravídica está subcategorizada em “hiperemese gravídica ligeira” e “hiperemese gravídica com distúrbio metabólico”, este último caracterizado por depleção de hidratos de carbono, desidratação ou desequilíbrio eletrolítico.
Os investigadores analisaram também se esta categorização está relacionada com os resultados de saúde mental e verificaram que os casos de enjoos graves na gravidez com distúrbio metabólico (percecionados como mais graves) apresentaram um risco significativamente reduzido de depressão em comparação com a hiperemese gravídica ligeiro. Esta descoberta realça a importância de um rastreio e apoio adequados em saúde mental para todas as mulheres com enjoos graves na gravidez, independentemente da gravidade percebida.
“O que descobrimos é que a categorização internacionalmente reconhecida de enjoos graves na gravidez com base na perturbação metabólica funciona bem para identificar indivíduos que necessitam de tratamento para a sua saúde física, mas pode nem sempre ser adequada para identificar aqueles que necessitam de apoio em saúde mental. A gravidade não se correlaciona diretamente com o grau de impacto na saúde mental e, como médicos, temos a responsabilidade de garantir que estas mulheres recebem cuidados integrados adequados, tanto em saúde física como mental”, refere Hamilton Morrin.
Thomas Pollak, neuropsiquiatra consultor do King’s College London e autor sénior do estudo, acrescenta que, “até recentemente, existia uma certa desconexão entre a forma como a comunidade médica considerava o impacto da hiperemese gravídica na saúde mental e como as próprias mulheres descreviam a sua experiência. As nossas descobertas mostram que esta lacuna não só é real, como pode ser muito grave. A hiperemese gravídica pode estar associada a perturbações psiquiátricas graves que exigem reconhecimento urgente e cuidados de saúde física e mental integrados desde o início da gravidez”.