Os seres humanos são criaturas sociais, anseiam por interações. É por isso que Vivek Murthy, cirurgião geral dos Estados Unidos, alerta, em forma de um relatório sobre a solidão, para o que chama uma epidemia, afirmando que esta epidemia de solidão é tão prejudicial como fumar. É sobre este problema que falam especialistas da Universidade de Miami, nos EUA.
“A solidão é muito mais do que apenas uma sensação má: prejudica a saúde individual e da sociedade. Está associada a um maior risco de doenças cardiovasculares, demência, acidente vascular cerebral, depressão, ansiedade e morte prematura”, refere.
Tiffany Field, professora no Centro Mailman de Desenvolvimento Infantil, da Escola de Medicina Miller da Universidade de Miami, diz acreditar que a epidemia de solidão pode ser atribuída em parte ao uso excessivo das redes sociais. “As pessoas estão tão ocupadas com os seus telemóveis em todo o lado”, afirma. “Quando se vai à praia, as pessoas estão juntas, mas ao telemóvel. Se nos sentarmos num parque ou à beira da piscina, vemos a mesma coisa.”
Estar ao telemóvel ou ao computador com alguém não substitui a interação social de partilhar tempo fisicamente com a outra pessoa, salienta. “É muito angustiante ver que as pessoas vivem sozinhas e se dedicam a atividades individuais e não a atividades de grupo. Nos nossos estudos, vemos que a depressão e a solidão acompanham-se e é como um ovo e uma galinha. Algumas pessoas deprimidas tornam-se solitárias e outras solitárias tornam-se deprimidas.”
Como as redes sociais alimentam a solidão
Field estudou também os efeitos do tato nos seres humanos e os muitos benefícios que traz para a sua saúde. Num estudo que realizou, juntamente com os seus alunos, antes da pandemia da COVID-19, observou-se que as pessoas em portas de aeroportos à espera de um voo estavam ao telemóvel 76% do tempo e tocavam-se umas às outras apenas 4% do tempo. Entre elas estavam pessoas que viajavam juntas, casais e famílias com crianças.
Não tocar ou não ser tocado pode ser prejudicial para a saúde, observa Field. “Há problemas físicos que se relacionam com a solidão. As pessoas que estão sozinhas raramente se tocam e isso é um problema real porque a privação do toque leva ao aumento das hormonas do stress e à diminuição da serotonina, que ajuda na depressão. Os efeitos físicos não são bons e podem aumentar os problemas cognitivos.”
Alyse Lancaster, professora da Escola de Comunicação, é especialista em redes sociais e afirma que a pandemia do coronavírus e a sua aplicação ao isolamento e distanciamento social exacerbaram a epidemia de solidão. “Durante a pandemia, estávamos realmente dependentes do nosso computador. As aulas eram online, os casamentos eram online, até os funerais eram online”, afirma. “Assim, à medida que saímos lentamente da pandemia, muitas pessoas estavam tão habituadas a estar aos seus telemóveis, portáteis e computadores que é difícil fazer a transição para a vida real.”
As redes sociais também desempenham um papel na forma como uma pessoa pode socializar, afirma Lancaster. Para as pessoas tímidas e introvertidas, que têm dificuldade em interagir socialmente, as redes sociais são um escape. No entanto, existe uma clara divisão geracional: as pessoas mais velhas que não se adaptam às novas tecnologias podem sentir-se sozinhas porque cresceram numa época em que as pessoas pegavam nos telemóveis e falavam, diz.
O papel da arquitetura
Joanna Lombard, professora da Escola de Arquitetura da Universidade de Miami, juntamente com colegas, realizou vários estudos sobre a forma como o ambiente construído pode melhorar a interação social e promover o bem-estar, afastando assim a solidão.
Em 2003, a sua equipa realizou um estudo com residentes idosos, que concluiu que aqueles que viviam em quarteirões com características de apoio social – uma varanda, um alpendre ou um quintal – tinham um melhor funcionamento físico e mental durante o período de cinco anos do que viviam em quarteirões que não tinham essas características.
“Estes locais de transição proporcionam o espaço social para se sentar fora de casa, para cumprimentar alguém que passa e para permitir uma interação casual”, afirma. Além disso, o acesso à luz do dia e às vistas (de preferência de árvores e espaços verdes) está associado ao bem-estar.
Níveis mais elevados de espaços verdes estão também associados a níveis mais elevados de interação social, explica Lombard. A criação de espaços verdes, bairros que podem ser percorridos a pé, parques acessíveis e quarteirões com níveis mais elevados de vegetação podem ajudar a reduzir os níveis de depressão.
“Quando consideramos os impactos de todas estas intervenções ambientais”, salienta Lombard, “podemos ver que a nossa saúde e felicidade estão enraizadas nas ligações que temos uns com os outros”.