
A solidão é um fator de risco mais importante para as doenças cardíacas em doentes com diabetes do que a dieta, o exercício físico, o tabagismo e a depressão, mostra um estudo publicado no European Heart Journal, uma revista da Sociedade Europeia de Cardiologia.
“A qualidade do contacto social parece ser mais importante para a saúde do coração nas pessoas com diabetes do que o número de contactos”, afirma o autor do estudo, Lu Qi, especialista da Escola de Saúde Pública e Medicina Tropical da Universidade de Tulane, em Nova Orleães, EUA.
“Não devemos minimizar a importância da solidão na saúde física e emocional. Eu encorajaria os doentes com diabetes que se sentem sozinhos a juntarem-se a um grupo ou a uma aula e a tentarem fazer amizade com pessoas que têm interesses comuns.”
“A solidão e o isolamento social são comuns nas sociedades atuais e tornaram-se um foco de investigação durante os últimos anos, especialmente impulsionados pela pandemia da COVID-19 e pela contínua digitalização da sociedade”, afirmam Kahl et al. num editorial que acompanha a publicação.
A solidão refere-se à qualidade dos contactos sociais, enquanto o isolamento se refere à quantidade. E acrescentam: “A espécie humana é inerentemente social por natureza. Os seres humanos não só necessitam da presença de outros, como também dependem de relações sociais significativas para se desenvolverem numa idade adulta saudável. Como indivíduos, esforçamo-nos por pertencer a uma família, a um grupo de pares, a uma comunidade. Estas interacções sociais com a família, amigos, vizinhos ou colegas são fundamentais para o nosso bem-estar físico e mental.”
Mais solidão, risco maior
Os doentes com diabetes correm um maior risco de doença cardiovascular e têm mais probabilidades de se sentirem sozinhos do que os seus pares saudáveis. Estudos anteriores na população em geral descobriram que a solidão e o isolamento social estão ambos relacionados com uma maior probabilidade de doença cardiovascular. Este estudo, realizado em doentes com diabetes, quis perceber se os que se sentiam sozinhos ou socialmente isolados tinham mais probabilidades de desenvolver doenças cardiovasculares do que os que não se sentiam sozinhos.
Para isso, incluiu 18.509 adultos com idades entre os 37 e os 73 anos, com diabetes mas sem doença cardiovascular no início do estudo.
A solidão e o isolamento foram avaliados através de questionários, tendo sido atribuído um ponto a cada uma das características de alto risco: sentimento de solidão e nunca ou quase nunca poder confiar em alguém, para uma pontuação total de 0 a 2. Os fatores de alto risco de isolamento social foram viver sozinho, ter amigos e familiares que o visitam menos de uma vez por mês e não participar em atividades sociais pelo menos uma vez por semana, para uma pontuação total de 0 a 3.
Cerca de 61,1%, dos participantes tinham pontuações de solidão de 0, 29,6% apresentavam valor de 1 e e 9,3% pontuaram um 2, enquanto 44,9% tinham pontuações de isolamento de 0, 41,9% de 1 e 13,2% de 2.
Os investigadores analisaram então a associação entre a solidão, o isolamento e as doenças cardiovasculares e verificaram que durante um período médio de acompanhamento de 10,7 anos, 3.247 participantes desenvolveram doenças cardiovasculares, das quais 2.771 eram doenças coronárias e 701 acidentes vasculares cerebrais (alguns doentes tiveram ambos).
Em comparação com os participantes com a pontuação mais baixa de solidão, o risco de doença cardiovascular foi 11%, valor que subiu para os 26% nos participantes com pontuações de 2. Foram observados resultados semelhantes para a doença coronária, mas a associação com o AVC não foi significativa.
Os investigadores também avaliaram a importância relativa da solidão, em comparação com outros fatores de risco, na incidência de doenças cardiovasculares. E a solidão mostrou uma influência mais fraca do que a função renal, o colesterol e o índice de massa corporal (IMC), mas uma influência mais forte do que a depressão, o tabagismo, a atividade física e a dieta.
“A solidão foi considerada um fator de predisposição para as doenças cardiovasculares mais importante do que vários hábitos de vida”, refere o investigador. “Descobrimos também que, no caso dos doentes com diabetes, a consequência dos fatores de risco físicos (ou seja, açúcar no sangue mal controlado, pressão arterial elevada, colesterol elevado, tabagismo e mau funcionamento dos rins) era maior nos que se sentiam sós.”
“Os resultados sugerem que perguntar aos doentes com diabetes sobre solidão deve passar a fazer parte da avaliação padrão, com encaminhamento dos afetados para os serviços de saúde mental.”