
A implementação de um programa de Enfermagem de Reabilitação para transplantados ao coração, idealizado e desenvolvido ao longo de três anos por uma docente da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Maria Loureiro, resultou em “ganhos médios de 50,26%” no que toca à “melhoria do estado funcional” e da “recuperação da autonomia nas atividades básicas da vida diária” das pessoas que receberam o novo órgão.
O estudo, realizado entre 2021 e 2023, num dos quatro centros de referência de transplante de coração do País e que envolveu 19 doentes, evidenciou “ganhos em saúde”, tanto “na melhoria de capacidade de autocuidado” das pessoas transplantadas, como “no incremento da literacia em saúde”.
Dias de internamento abaixo da média
Registaram-se, por outro lado, “taxas de reinternamento de 0% por causas relacionadas com intolerância à atividade ou com o programa de reabilitação”. E o “número médio de dias de internamento foi de 15, abaixo da média referida na literatura (20 a 33 dias)”, sublinha a professora da ESEnfC.
A autora deste trabalho, que serviu de tese de doutoramento em Ciências de Enfermagem – recentemente defendida no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto –, nota que “a pessoa transplantada, e a sua família, enfrentam exigências relacionadas com a adesão ao regime terapêutico, à nova condição física, à autogestão da saúde e à reintegração social”. E que “tudo isto é associado a limitações físicas
como fraqueza muscular, intolerância à atividade e perda de autonomia funcional, sobretudo nos primeiros dias após a cirurgia”.
Maria Loureiro refere que “são comuns também alterações emocionais e cognitivas, como ansiedade, medo da rejeição, distúrbios do sono e da imagem corporal”, sendo que “esta complexidade exige mais do que acompanhamento clínico: exige um olhar integrador, que valorize a pessoa na sua totalidade, nos seus medos, dúvidas, limitações e capacidades”.
Foi nesse sentido que surgiu o programa “Enfermagem de Reabilitação em Transplante Cardíaco”, que compreendeu a “mobilização precoce” (prática de movimentar os doentes o mais cedo possível após a cirurgia, que pode promover ganhos em força muscular e um aumento do grau de independência), “a capacitação para o autocuidado terapêutico e a promoção da funcionalidade após transplante, iniciando-se após a extubação até à alta clínica”.
Fizeram parte deste programa de reabilitação, ainda no internamento hospitalar, “o treino de exercício (respiratório, aeróbio e de resistência), com níveis de intensidade progressivos”, e a educação da pessoa transplantada ao nível do domínio dos sinais e sintomas de alerta e dos fatores de risco cardiovasculares. Foi, ainda, definido um plano de continuidade para domicílio, que durante os primeiros dois meses póstransplante beneficiou de acompanhamento semanal por parte dos profissionais de saúde.
Inclusão do familiar cuidador nos programas de reabilitação
Tendo também como foco o cuidador/família, que “não deve ser apenas parceiro de cuidados, mas sim alvo direto de intervenção”, o estudo de doutoramento de Maria Loureiro vem demonstrar que “a reabilitação cardíaca pode promover a saúde do cuidador e, simultaneamente, facilitar o seu papel de prestador de cuidados”.
Nesse âmbito, foram validadas sete recomendações no contexto da integração dos cuidadores nos programas de reabilitação destinados à pessoa com doença cardíaca, consensualizadas entre 42 peritos na área da reabilitação de 20 países que responderam a um questionário para esse efeito.
Entre elas, é apontada a probabilidade de os cuidadores e os doentes cardíacos partilharem fatores de risco cardiovascular e, por isso, também poderem beneficiar da participação na gestão desses fatores de risco. É, também, sublinhado pelos peritos internacionais que “a reabilitação cardíaca pode ser útil como intervenção de prevenção primária para cuidadores de pessoas com doenças cardíacas”, ou que “a integração dos cuidadores nos programas de reabilitação cardíaca é suscetível de aumentar a adesão dos doentes cardíacos aos programas”.
A professora da ESEnfC, Maria Loureiro, considera que o trabalho que liderou “procura ser um contributo sólido para a construção de uma prática especializada, sustentada e visível, com impacto direto na vida das pessoas e das suas famílias. E que pode servir de modelo para outras realidades de transição em saúde igualmente complexas”.
Até 2003, o número de transplantes cardíacos por ano em Portugal nunca ultrapassou os 22. De lá para cá, em média, são realizados mais de 40 transplantes cardíacos por ano. Em 2024, o país, que conta com quatro unidades de transplante cardíaco – Hospital de São João (Porto), Unidade Local de Saúde de Coimbr