Investigadores da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, nos EUA, confirmam que o uso diário de cigarros eletrónicos à base de cápsulas altera o estado inflamatório de vários sistemas de órgãos, incluindo o cérebro, coração, pulmões e cólon. Os efeitos variam também dependendo do sabor do cigarro e podem influenciar a forma como os órgãos respondem a infeções, entre as quais a causada pelo SARS-CoV-2.
O estudo, publicado na revista eLife, é o primeiro a avaliar este tipo de dispositivos e os seus aromatizantes numa abordagem multi-órgãos.
“Estes cigarros eletrónicos baseados em cápsulas só se tornaram populares nos últimos cinco anos, pelo que não sabemos muito sobre os seus efeitos a longo prazo na saúde”, refere a autora sénior do estudo Laura Crotty Alexander, professora associada de medicina e chefe da secção de Cuidados Intensivos Pulmonares no Veterans Affairs San Diego Healthcare System.
Apesar da sua popularidade, a investigação sobre cigarros eletrónicos tem sido amplamente limitada a estudos de uso de curto prazo, dispositivos mais antigos, como canetas e líquidos com concentrações de nicotina significativamente mais baixas do que os modernos sistemas baseados em cápsulas recarregáveis.
A equipa de Crotty Alexander concentrou-se neste últimos e nos seus sabores mais populares nos EUA, menta e manga, avaliando o impacto do seu uso em ratinhos de laboratório.
Os autores encontraram os efeitos mais marcantes no cérebro, onde vários marcadores inflamatórios ficaram elevados. Foram observadas mudanças adicionais na expressão de genes neuroinflamatórios no núcleo accumbens, uma região do cérebro essencial para a motivação e processamento de recompensas.
As descobertas levantam grandes preocupações, referem os autores, já que a neuroinflamação nesta região tem sido associada à ansiedade, depressão e comportamentos viciantes, o que pode exacerbar ainda mais o vício e uso de substâncias.
“Muitos utilizadores são adolescentes ou jovens adultos cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento, pelo que é muito assustador saber o que pode estar a acontecer nos seus cérebros e considerar como isso pode afetar a sua saúde mental e comportamento no futuro”, refere Crotty Alexander.
A expressão do gene inflamatório também aumentou no cólon, sobretudo após um mês de exposição ao cigarro eletrónico, o que pode aumentar o risco de doença gastrointestinal. Em contraste, o coração apresentou níveis diminuídos de marcadores inflamatórios.
Embora os pulmões não tenham mostrado sinais de inflamação no nível do tecido, várias alterações na expressão génica foram observadas nas amostras, exigindo um estudo mais aprofundado dos efeitos a longo prazo dos cigarros eletrónicos baseados em cápsulas na saúde pulmonar.
Os investigadores também descobriram que a resposta inflamatória de cada órgão variou dependendo de qual o sabor usado. Por exemplo, os corações de ratinhos que inalaram aerossóis de menta foram muito mais sensíveis aos efeitos da pneumonia bacteriana em comparação com aqueles que inalaram aerossóis de manga.
“Foi uma verdadeira surpresa para nós”, afirma Crotty Alexander. “Isso mostra que os próprios produtos químicos de sabor também estão a causar alterações patológicas. Se alguém que usa frequentemente cigarros eletrónicos com sabor de menta for infetado com COVID-19, é possível que o seu corpo responda de maneira diferente à infeção.”
Cada órgão tem o seu próprio ambiente imunológico bem ajustado, de modo que perturbar esse equilíbrio através do uso de cigarros eletrónicos pode provocar muitos efeitos na saúde a longo prazo, escreveram os autores.
“É claro que cada dispositivo e sabor de cigarro eletrónico deve ser estudado para determinar como isso afeta a saúde em todo o corpo.”