Os investigadores utilizaram a inteligência artificial (IA) e a tecnologia de aprendizagem profunda para encontrar uma associação entre alterações na forma dos rostos das crianças e a quantidade de álcool que as suas mães ingeriram, tanto antes de engravidarem como durante a gravidez.
O estudo, publicado na Human Reproduction, uma das principais revistas mundiais de medicina reprodutiva, é o primeiro a detetar esta associação nos filhos de mães que consumiram álcool até três meses antes de ficarem grávidas mas pararam durante a gravidez. Além disso, descobriu que a associação com a forma facial alterada existia mesmo que as mães bebessem menos de 12g por semana, o equivalente a um pequeno copo de 175 ml de vinho ou 330 ml de cerveja.
A descoberta é importante porque a forma do rosto das crianças pode ser uma indicação de problemas de saúde e desenvolvimento.
“Eu chamaria ao rosto um ‘espelho de saúde’, uma vez que reflete a saúde global de uma criança. A exposição de uma criança ao álcool antes do nascimento pode ter efeitos adversos significativos no seu desenvolvimento saudável e, se uma mãe beber regularmente uma grande quantidade, isto pode resultar em distúrbios associados à síndrome alcoólica fetal, que se reflete no rosto das crianças”, afirma Gennady Roshchupkin, professor assistente e líder do grupo de biologia da população computacional no Centro Médico Erasmus, nos Países Baixos.
Os distúrbios associados à síndrome alcoólica fetal são definidos como uma combinação de atraso de crescimento, deficiência neurológica e desenvolvimento facial reconhecidamente anormal. Os sintomas incluem perturbações cognitivas, transtorno de défice de atenção e hiperatividade, dificuldades de aprendizagem, problemas de memória, problemas comportamentais e atrasos na fala e linguagem.
Sabe-se já que os distúrbios associados à síndrome alcoólica fetal são causados pelo consumo pela mãe durante a gravidez, sobretudo o consumo excessivo. No entanto, até agora, pouco se sabia sobre o efeito do baixo consumo de álcool no desenvolvimento facial das crianças e, logo, na sua saúde. Este é também o primeiro estudo a examinar a questão em crianças de múltiplas origens étnicas.
Os investigadores utilizaram a IA e a aprendizagem profunda para analisar imagens tridimensionais de crianças com nove anos de idade (3149 crianças) e 13 anos (2477 crianças), nascidas entre abril de 2009 e janeiro de 2006.
“O rosto é uma forma complexa e a sua análise é uma tarefa desafiante. A imagem 3D ajuda muito, mas requer algoritmos mais avançados para o fazer”, refere Roshchupkin. “Para esta tarefa, desenvolvemos um algoritmo baseado em IA, que tira imagens 3D de alta resolução do rosto e produz 200 medições ou ‘traços’ únicos. Analisámo-las para procurar associações com a exposição pré-natal ao álcool e desenvolvemos mapas de calor para mostrar as características faciais particulares associadas ao consumo das mães”.
A informação sobre o consumo de álcool das mães foi obtida a partir de questionários preenchidos pelas mulheres no início, meio e fim da gravidez, mulheres estas que foram divididas em três grupos: mães que não beberam antes ou durante a gravidez (o grupo de controlo), mães que beberam durante os três meses antes de engravidarem, mas pararam quando ficaram grávidas, e mães que beberam durante a gravidez, incluindo as que só beberam durante o primeiro trimestre de gravidez e as que continuaram a beber durante toda a gravidez.
“Encontrámos uma associação estatisticamente significativa entre a exposição pré-natal ao álcool e a forma facial das crianças de nove anos de idade. Quanto mais as mães bebiam, mais alterações estatisticamente significativas havia. Os traços mais comuns foram ponta do nariz virada para cima, nariz encurtado, queixo virado para fora e pálpebra virada para dentro”, refere Xianjing Liu, primeiro autor do estudo.
“Entre o grupo de mães que beberam durante a gravidez, descobrimos que mesmo que as mães bebessem muito pouco (menos de 12 g por semana) podia ser observada uma associação entre a exposição ao álcool e a forma facial da criança. Esta é a primeira vez que uma associação é demonstrada com níveis tão baixos de consumo de álcool.”
A ligação entre o consumo de álcool e a forma facial enfraqueceu nas crianças mais velhas e não foi encontrada qualquer associação significativa quando os investigadores analisaram os dados relativos às crianças com 13 anos de idade.
“É possível que, quando uma criança envelhece e experimenta outros fatores ambientais, estas mudanças possam diminuir ou ser obscurecidas por padrões normais de crescimento. Mas isso não significa que o efeito do álcool sobre a saúde também desapareça. Portanto, é essencial salientar que não existe um nível estabelecido de consumo seguro de álcool durante a gravidez e que é aconselhável deixar de beber álcool mesmo antes da conceção para garantir resultados ótimos para a saúde tanto da mãe como do feto em desenvolvimento”, refere Roshchupkin.