Com o foco na COVID-19, são muitos os que se esquecem de outras duas grandes pandemias, responsáveis pela morte de milhões de pessoas todos os anos: a diabetes tipo 2 e as doenças cardiovasculares. “Os adultos que sofrem de diabetes tipo 2 têm duas a quatro vezes mais probabilidade de vir a desenvolver doenças cardiovasculares, como é o caso de ataques cardíacos e AVCs”, explica Ricardo Fontes-Carvalho, cardiologista do Centro Hospitalar de Gaia e Professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, um dos participantes no evento online “Diabetes and the Heart: A heart-to-heart patient-doctor dialogue”, em que o Notícias Saúde esteve presente.
Estando a aumentar em todas as regiões do mundo, a diabetes tipo 2 é “cada vez mais frequente devido a fatores genéticos e ao estilo de vida atual, uma vez que muitas pessoas são obesas ou têm excesso de peso e não praticam atividade física”, refere Thomas Wascher, chefe do Departamento de Diabetes e Metabolismo de Hanusch-Krankenhaus e presidente da Sociedade Austríaca de Diabetes. Assim, além da cegueira, das doenças renais e do pé diabético, a diabetes tipo 2 tem também como consequência as doenças cardiovasculares.
Mais de metade dos doentes com diabetes tipo 2 acaba por falecer devido a complicações cardíacas. Por isso, é imperativo entender que “a diabetes não é apenas um problema de glicose, mas também um problema cardiovascular”, explica o cardiologista português, no evento promovido pela Boehringer Ingelheim em parceria com o CARE 4 YOUR HEART.
Parar de fumar, ser fisicamente ativo, controlar os níveis de colesterol e de glicose, ter uma alimentação equilibrada e nutritiva, não ter excesso de peso, verificar regularmente a pressão arterial e conhecer o risco cardiovascular são algumas medidas simples que podem proteger o coração.
A importância de falar com o seu médico
“Se sofre de diabetes precisa de falar com o seu médico sobre doenças cardiovasculares”, alerta Sarah Jarvis, especialista em Medicina Geral e Familiar há mais de 25 anos. Mas, infelizmente, não é este o cenário que se verifica. Jean-Luc Eiselé, CEO do World Heart Federation, revela os resultados de um inquérito realizado, em 2018, pela Federação Internacional de Diabetes, no qual “25% dos inquiridos que sofriam de diabetes nunca tinham discutido o seu risco cardiovascular, ou não se lembram de o fazer, com o seu médico”.
Apesar de terem uma esperança média de vida reduzida em 12 anos, “existe uma falta de conhecimento da relação entre a diabetes tipo 2 e as doenças cardiovasculares por parte dos doentes”, explica Jean-Luc Eiselé.
Por isso, é importante que estes conheçam os seus riscos e, para Ricardo Fontes-Carvalho, existem duas questões fulcrais que os doentes devem colocar ao seu médico: “Tendo diabetes tipo 2, devo preocupar-me com o meu coração? Qual é o meu risco cardiovascular?” e “Que opções de tratamento podem ajudar a reduzir o risco que a diabetes tipo 2 tem para o meu coração?”.
Mudar os estilos de vida para prevenir a diabetes
Sendo que 80% das mortes prematuras provocadas por uma doença cardíaca e AVC poderiam ser evitadas, o CEO do World Heart Federation deixou um alerta: “É necessário mudar o nosso estilo de vida. Não há uma forma fácil de curar a diabetes, é necessário tempo e esforço”. Além disso, “quando combinados, a diabetes e a insuficiência cardíaca têm um risco de mortalidade tão elevado quanto o cancro”, reforça Sarah Jarvis.
Controlar a diabetes ajuda a reduzir complicações futuras e uma forma de o fazer é através da medicação. “Os benefícios em tomar a medicação, no caso dos doentes diabéticos, são refletidos em não desenvolver uma doença cardiovascular nos próximos 10 anos”, sublinha a médica de família.
Por isso, seja por esquecimento ou por os doentes se sentirem bem e acharem que a medicação não vai funcionar, o tratamento deve sempre ser cumprido com rigor.
Para tal, é importante uma tomada de decisão informada e partilhada, ou seja, o especialista clínico deve explicar os efeitos secundários dos medicamentos, bem como a seleção de medicação, permitindo que o doente decida quais dos medicamentos se sente confortável a tomar.
“As pessoas com diabetes passam, em média, três horas por ano com um profissional de saúde, o que significa que têm de gerir, por si mesmas, 8,757 horas” e, desta forma, uma tomada de decisão partilhada e uma relação de parceria e de trabalho em conjunto com o doente é essencial “para perceber qual é o medicamento que mais se adequa ao doente e como é que o podemos ajudar da melhor forma”, diminuindo assim as barreiras de adesão ao tratamento.
Para o CEO do World Heart Federation, o caminho ideal de cuidados deve passar pela prevenção, triagem, avaliação dos fatores de risco e diagnóstico, tratamento e, por fim, monitorização. Para tal, o mesmo explicou que é necessário garantir o aumento de awareness para a relação entre doenças cardiovasculares e diabetes, contribuir para um maior cuidado aos doentes e aumentar a educação para o problema, bem como diminuir as barreiras sociais, pessoais e económicas que possam existir.
No que respeita à atual crise de saúde pública, também as pessoas que sofrem de doenças cardiovasculares e de diabetes têm um maior risco de contrair COVID-19.
Segundo o cardiologista português, “as pessoas obesas e com doenças cardiovasculares têm uma forma de infeção mais séria no que respeita à COVID-19”, o que significa que “quanto maior o controlo de doenças, como a diabetes tipo 2 e as doenças cardiovasculares, maior poderá ser o controlo que teremos da COVID-19”.