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Artérias obstruídas nas pernas, um problema subdiagnosticado e subtratado nas mulheres

doença arterial periférica

Os tratamentos para a doença arterial periférica foram amplamente desenvolvidos nos homens e são menos eficazes nas mulheres, revela uma revisão publicada no European Heart Journal – Quality of Care and Clinical Outcomes, uma revista da Sociedade Europeia de Cardiologia, que destaca as razões biológicas, clínicas e sociais que justificam porque é que a doença pode não ser diagnosticada nas mulheres e porque é que estas respondem menos bem ao tratamento e têm piores resultados clínicos.

“É necessária uma maior compreensão sobre o porquê de não estarmos a abordar o fosso dos resultados de saúde entre os géneros”, refere Mary Kavurma, professora associada do Instituto de Investigação do Coração, na Austrália e autora do estudo.

“Esta revisão engloba não só razões biológicas, mas também a forma como os serviços de saúde e a posição das mulheres na sociedade podem desempenhar um papel. Todos estes elementos devem ser tidos em conta para que métodos mais eficazes de diagnóstico e tratamento possam ser dirigidos às mulheres com doença arterial periférica.”

Mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo têm doença arterial periférica, onde as artérias das pernas estão obstruídas, restringindo o fluxo sanguíneo e aumentando o risco de ataque cardíaco e AVC, sendo esta a principal causa da amputação dos membros inferiores.

As evidências sugerem que igual ou maior número de mulheres sofrem deste problema e que têm resultados piores. Esta revisão foi realizada com o intuito de identificar as razões destas desigualdades de género, tendo os investigadores compilado as melhores provas disponíveis.

O documento começa com um resumo das desigualdades de género no diagnóstico e tratamento da doença arterial periférica, delineando as variáveis biológicas, clínicas e sociais responsáveis por estas disparidades.

Relativamente ao diagnóstico, a doença arterial periférica é classificada em três fases: assintomática, com sintomas típicos de dor e cólicas nas pernas ao andar, que são aliviadas em repouso (a chamada claudicação intermitente) e isquemia crónica dos membros, que é a fase mais grave e pode incluir gangrena ou úlceras.

As mulheres não apresentam, frequentemente, sintomas ou apresentam sintomas atípicos, como dores ou desconforto menores ao caminhar ou em repouso. É menos provável que tenham claudicação intermitente do que os homens e o dobro da probabilidade de apresentarem isquemia crónica dos membros.

As hormonas parecem desempenhar aqui um papel, uma vez que as mulheres tendem a apresentar sintomas típicos (claudicação intermitente) após a menopausa.

O tratamento da doença arterial periférica inclui medicação, exercício e cirurgia. O seu objetivo é gerir os sintomas e reduzir os riscos de ulceração, amputação, ataque cardíaco e AVC, mas as mulheres têm menos probabilidades de receber os medicamentos recomendados do que os homens, respondem menos bem à terapia de exercício supervisionado, têm taxas de cirurgia mais baixas e são mais propensas a morrer após a amputação ou cirurgia aberta.

Quanto às razões para as desigualdades acima mencionadas, fatores biológicos podem contribuir para as diferenças de sexo na apresentação, progressão e resposta ao tratamento da doença. Por exemplo, as mulheres têm um risco mais elevado de coágulos sanguíneos (uma causa da doença arterial periférica) e vasos sanguíneos mais pequenos, e o uso de contracetivos orais e as complicações da gravidez têm sido também associadas a taxas mais elevadas de doença arterial periférica.

Os fatores clínicos referem-se à forma como os doentes se envolvem com os serviços de saúde, as suas relações com os médicos e os processos em vigor para diagnosticar e tratar a doença arterial periférica, com o artigo a citar a baixa consciência dos prestadores de cuidados de saúde e das próprias mulheres em relação ao risco deste problema.

O pessoal de saúde tem menos probabilidades de reconhecer a doença arterial periférica nas mulheres do que nos homens, e as mulheres têm mais probabilidades do que os homens de serem mal diagnosticadas com outras doenças, incluindo perturbações músculo-esqueléticas.

As mulheres tendem também a minimizar os seus sintomas, são menos propensas a discutir a doença arterial periférica com o seu clínico e, nos últimos 10 anos, apenas um terço dos participantes nos ensaios clínicos do tratamento desta doença eram mulheres.

Doença arterial periférica ou como as mulheres desvalorizam os sintomas

A revisão identificou ainda uma série de variáveis sociais que podem contribuir para as desigualdades de género na doença arterial periférica. Um estatuto socioeconómico mais baixo está associado a uma maior probabilidade da doença e de hospitalização e a isto junta-se o facto de a incidência ser maior nos países com rendimentos mais baixos, onde as mulheres ainda têm mais dificuldades. “Uma maior pobreza e as disparidades socioeconómicas vividas pelas mulheres a nível global podem contribuir para o aumento das taxas de doença arterial periférica nas mulheres”, afirma o artigo.

Kavurma exortou as mulheres a não ignorarem os sintomas, alertando para a importância de prestarem “atenção às dores nos gémeos ao andar ou em repouso. Pergunte ao seu médico de clínica geral qual é a probabilidade de sofrer de doença arterial periférica. As mulheres tendem a atribuir as pernas doridas a uma vida ocupada. Elas precisam de parar e ouvir o seu corpo.”

“Como bióloga vascular, as minhas principais perguntas de investigação sobre a doença arterial periférica são: porque é que as mulheres são assintomáticas? A doença é diferente entre homens e mulheres, sobretudo antes da menopausa? E porque é que as mulheres têm respostas piores ao tratamento? As respostas a estas perguntas são essenciais – como podem os médicos diagnosticar e tratar pacientes com doença arterial periférica sem compreender como a doença se desenvolve e se é diferente entre os sexos? Para melhorar os tratamentos, precisamos também que os ensaios clínicos sejam mais inclusivos para as mulheres”, acrescenta.

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