“Em estádios iniciais, o cancro do pâncreas pode ser silencioso, não causando qualquer sinal ou sintoma, o que dificulta o seu diagnóstico precoce.” A garantia é dada por Maria Teresa Neves, oncologista na Unidade Local de Saúde (ULS) de Lisboa Ocidental, a propósito do Dia Mundial do Cancro do Pâncreas, e que deixa o alerta: “em mais de 60% dos casos é diagnosticado quando já existem metástases, ou seja, quando já existem outros órgãos afetados. Além disso, apesar de terem existido alguns avanços nos últimos anos, ainda temos poucas escolhas eficazes em termos de tratamento e uma elevada taxa de recidiva. A combinação destes fatores leva a menor sobrevivência quando comparada com a taxa de sobrevivência em outros tipos de cancro.”
Uma doença em que, acrescenta a especialista, “em 5-10% dos casos existem alterações hereditárias e normalmente história familiar associada”. É para esta percentagem que chama a atenção o projeto saBeR mais ContA, uma iniciativa que dá a conhecer as mutações genéticas BRCA associadas ao cancro e sensibiliza para a componente hereditária.
Considerada, como já foi referido, uma doença silenciosa, pelo menos numa fase inicial, o diagnóstico precoce do cancro do pâncreas é sempre um desafio, mas ainda assim existem alguns sintomas e sinais a que todos devem estar atentos: “dor abdominal, perda de peso inexplicável, icterícia, diagnóstico de diabetes mellitus de novo ou agravamento, se já existente, e alterações da cor das fezes ou urina”, refere a médica, que salienta que, apesar de “normalmente associados a condições benignas, se persistentes devem motivar avaliação médica”.
Ainda assim, Maria Teresa Neves reforça que “a maioria dos casos de cancro do pâncreas são esporádicos, sendo o principal fator de risco identificado a idade avançada, com pico de incidência entre os 65 e 69 anos nos homens e entre os 75 e 79 anos nas mulheres”.
Consumo de tabaco, obesidade, diabetes mellitus, pancreatite crónica, consumo de álcool e maus hábitos alimentares são outros dos fatores já identificados, assim como as mutações BRCA.
O impacto das mutações genéticas no cancro do pâncreas
Atualmente, sabe-se que existem alguns genes com a função de proteger o corpo humano do desenvolvimento de cancro, tais como os genes BRCA1 e BRCA2. Ao contrário do que se possa pensar, não são as mutações genéticas nestes dois genes que provocam o cancro, mas sim a acumulação de danos no ADN não reparados nas células, transformando-as em células tumorais.
O risco de desenvolver cancro do pâncreas para portadores desta mutação nos genes BRCA1 ou BRCA 2 situa-se entre 1 e 4 % para BRCA1 e 3 a 5 % para BRCA 2, o que corresponde a um risco duas a três vezes superior (BRCA1) e três a seis vezes superior (BRCA2) do que o da população geral.
“Os estudos genéticos têm-se revelado cada vez mais importantes na orientação e tratamento de doentes com cancro do pâncreas. De acordo com as recomendações atuais, todos os doentes diagnosticados com cancro pancreático têm indicação para realizar teste por painel multigénico baseado em sequenciação de nova geração (NGS), que inclua os genes BRCA1 e BRCA2, idealmente no momento do diagnóstico”, refere Rita Quental, geneticista clínica da unidade local de saúde (ULS) de São José.
“Para os pacientes com antecedentes familiares de cancro do pâncreas ou de outros cancros relacionados (como mama, ovário e próstata). Estas variantes são detetadas em até 8% dos casos, e o seu conhecimento ajuda a orientar as estratégias terapêuticas. Por exemplo, os portadores de variantes germinativas nos genes BRCA1/2, dois genes supressores tumorais envolvidos na reparação do DNA, apresentam uma resposta mais favorável a certos agentes de quimioterapia e são candidatos ao tratamento com inibidores da PARP (poli ADP-ribose polimerase). Adicionalmente, a identificação de uma variante germinativa clinicamente relevante permite avaliar o risco do doente para outros tipos de cancro e possibilita a identificação de familiares em risco, que podem igualmente beneficiar de estratégias de vigilância e prevenção”, conclui.