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Ciência descobre como o cérebro aprende a fazer “replay” para obter mais prazer

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Foi a primeira vez que os cientistas conseguiram ver como o cérebro de um ratinho aprende a repetir padrões de actividade neural que produzem uma sensação de prazer. Até agora, os mecanismos cerebrais que comandam este tipo de aprendizagem nunca tinham sido medidos directamente. Um estudo que tem ‘mão’ portuguesa.

Este trabalho, liderado por cientistas da Universidade Columbia, em Nova Iorque; do Centro Champalimaud, em Lisboa; e da Universidade da Califórnia, fornece importantes pistas sobre a forma como a actividade cerebral é moldada e refinada à medida que os animais aprendem a repetir comportamentos que suscitam uma sensação de prazer.

Os resultados também sugerem novas estratégias para lidar com perturbações caracterizadas por comportamentos repetitivos anormais, tais como a adição e a perturbação obsessiva-compulsiva (POC).

“Não é segredo para ninguém que temos prazer em fazer coisas das quais gostamos, como jogar o nosso jogo de vídeo favorito”, diz em comunicado Rui Costa, investigador principal da Universidade Columbia e do Centro Champalimaud. “Os resultados publicados revelam que o cérebro aprende a seleccionar os padrões de actividade que produzem sensações de bem-estar e que se remodela para reproduzir esse padrões de maneira mais eficiente.”

“A descoberta agora anunciada funda-se no nosso trabalho anterior e pode permitir explicar como funciona a aprendizagem por repetição, podendo também servir para elucidar o que acontece nos comportamentos adictivos ou obsessivos-compulsivos, em que o circuito de feedback que liga a acção à recompensa fica descontrolado”, acrescenta Costa.

Normalmente, fazer algo agradável faz com que os neurónios libertem uma substância chamada dopamina. É esta libertação que produz a sensação de bem-estar, suscitando o desejo de repetir a acção vezes sem conta. Um exemplo muito ilustrativo deste fenómeno é o que acontece com os jogos de vídeo.

“Quando mexemos no comando do jogo exactamente da maneira certa para atingir a pontuação máxima, o nosso cérebro lembra-se de como executou essa acção – de quais foram os neurónios que se activaram e o padrão de activação. Assim, o cérebro consegue recriar o mesmo movimento da próxima vez que jogarmos”, diz Costa. “Após repetidas tentativas, o nosso cérebro aumenta a sua capacidade de recriar esse padrão de actividade neural e a nossa forma de jogar melhora.”

Para a equipa, isto levantou imediatamente a pergunta seguinte: será que o cérebro pode ser treinado para aprender o padrão certo de actividade normalmente envolvido na vivência de algo que dá prazer e a seguir reproduzir o padrão quando quiser, para desencadear a libertação de dopamina?

Numa série de experiências em ratinhos, os cientistas desenvolveram um programa de computador que associava a actividade neural no cérebro dos animais a notas de música, de forma a que, quando um grupo de neurónios era activado, fosse gerada uma dada nota.

Diferentes padrões de actividade neural resultavam em combinações diferentes de notas musicais. E quando os padrões de actividade neural desencadeavam a ordenação certa das notas (arbitrariamente determinada por um computador), os cientistas libertavam manualmente dopamina no cérebro dos animais.

Os ratinhos rapidamente aprenderam qual era o arranjo musical que, ao ser reproduzido, provocava a libertação de dopamina e uma sensação de bem-estar. Os seus circuitos cerebrais começaram então a alterar-se para ouvir essa canção com mais frequência, provocando assim, de cada vez, o “chuto” de prazer devido à dopamina.

“Essencialmente, os ratinhos aprenderam a repetir o mesmo padrão de actividade cerebral que tinha previamente sido suscitado pela audição daquelas notas de música”, diz Vivek Athalye, o primeiro autor do artigo, da Universidade da Califórnia.

Segundo os investigadores, estes resultados constituem um exemplo notável da Lei de Thorndike – um velho princípio de psicologia que estipula que as acções que conduzem a reforços positivos são repetidas com maior frequência. E mais: representam a primeira observação directa deste princípio no cérebro.

Investigação vai prosseguir

“De certa maneira, estes resultados eram totalmente expectáveis”, diz Costa. “Faz sentido que o cérebro simule a sensação de recompensa produzida por uma experiência agradável gerando o padrão correspondente de actividade neural. Mas isso nunca tinha sido testado.”

“Este trabalho também tem importantes implicações para o desenvolvimento de neuroterapias avançadas, ou seja de sistemas capazes de tratar as causas subjacentes das perturbações cerebrais modificando os padrões de actividade neural dos doentes”, diz José Carmena, da Universidade da Califórnia, que coliderou o estudo com Rui Costa.

“Por exemplo, quando os padrões de actividade neuronal do cérebro ficam descontrolados, como acontece frequentemente nas pessoas com adição ou POC, será que poderíamos criar um programa de computador que ajudasse a treinar de novo o cérebro para diminuir a frequência dessa actividade?”, pergunta Costa. “É uma possibilidade que estamos a explorar activamente.”

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