O faro sensível dos cães pode detetar os primeiros sinais de alerta de muitas situações médicas potencialmente perigosas, como uma convulsão iminente ou hipoglicemia repentina. Agora, os cientistas encontraram evidências de que os cães-guia podem até ser capazes de farejar a aproximação de um episódio de perturbação de stress pós-traumático (PSPT).
“Os cães de serviço para as pessoas com perturbação de stress pós-traumático já são treinados para as ajudar durante episódios de sofrimento”, refere Laura Kiiroja, especialista da Universidade de Dalhousie, no Canadá, primeira autora do artigo publicado na revista Frontiers in Allergy. “No entanto, os cães são atualmente treinados para responder a sinais comportamentais e físicos. O nosso estudo mostrou que pelo menos alguns podem também detetar esses episódios através da respiração.”
Cães conseguem cheirar o stress humano
A perturbação de stress pós-traumático surge da exposição a um evento catastrófico: os sintomas incluem reviver esse evento catastrófico, hiperexcitação, evitar quaisquer lembretes e problemas cognitivos ou de humor. Entre outras formas de assistência, os cães podem ajudar as pessoas ao alertar e interromper estes episódios quando os seus companheiros humanos estão a lutar contra os sintomas. Se os cães conseguissem responder aos marcadores de stress na respiração, poderiam potencialmente interromper os episódios numa fase mais precoce, tornando as suas intervenções mais eficazes.
Todos os humanos têm um “perfil olfativo” de compostos orgânicos voláteis, moléculas emitidas pelo corpo em secreções como o suor, que é influenciado pela nossa genética, idade, atividades e outras variáveis. Existem algumas evidências de que os cães podem ser capazes de detetar esses compostos associados ao stress humano. No entanto, nenhum estudo investigou se poderiam aprender a detetar o perfil associado aos sintomas de perturbação de stress pós-traumático.
Os cientistas recrutaram, para o efeito, 26 pessoas, que participaram ainda num estudo sobre as reações de pessoas que sofreram traumas às recordações sobre esses mesmos traumas: ao todo, 54% preencheram os requisitos de diagnóstico para perturbação de stress pós-traumático.
Para doar aromas, participaram em sessões onde foram relembrados das suas experiências traumáticas enquanto usavam diferentes máscaras. Uma máscara forneceu uma amostra de respiração calma que funcionou como controlo, e outra, que foi usada enquanto os participantes relembravam o seu trauma, forneceu uma amostra de respiração alvo. Os participantes também preencheram um questionário sobre os seus níveis de stress e emoções.
Ao mesmo tempo, cientistas recrutaram 25 cães para treinar na deteção de odores, duas das quais qualificadas e motivadas o suficiente para concluir o estudo: Ivy e Callie.
“Tanto Ivy quanto Callie acharam este trabalho inerentemente motivador”, afirma Kiiroja. “O seu apetite ilimitado por guloseimas deliciosas também foi uma vantagem. Na verdade, foi muito mais difícil convencê-los a fazer uma pausa do que a começar a trabalhar. Callie, em particular, certificou-se de que não havia brincadeiras.”
Ivy e Callie foram treinadas para reconhecer o odor alvo de pedaços das máscaras, alcançando 90% de precisão na discriminação entre uma amostra stressada e uma amostra não stressada. Foram então apresentadas a uma série de amostras, uma amostra de cada vez, para ver se ainda conseguiam detetar com precisão os perfis olfativos de stress, experiência em que Ivy alcançou 74% de precisão e Callie 81% de precisão.
Mais estudos necessários
A comparação das identificações bem-sucedidas de Callie e Ivy com as emoções relatadas pelos participantes humanos revelou que o desempenho de Ivy estava relacionado com a ansiedade, enquanto o de Callie com a vergonha.
“Embora ambos os cães tenham tido um desempenho muito preciso, eles pareciam ter uma ideia um pouco diferente do que consideravam uma amostra de odor ‘stressado’”, explica Kiiroja. “Especulamos que Ivy estava sintonizada com as hormonas do eixo simpático-adreno-medular (como a adrenalina) e Callie estava orientada para as hormonas do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (como o cortisol). Este é um conhecimento importante para o treino de cães de serviço, pois alertar sobre sintomas de perturbação de stress pós-traumático de início precoce requer sensibilidade ás hormonas do eixo simpático-adreno-medular.”
“Com 40 conjuntos de amostras, o nosso estudo é uma prova de conceito que precisa de ser validado por estudos com amostras maiores”, reforça Kiiroja. “Além de envolver mais participantes, os estudos de validação devem recolher amostras de um número maior de eventos stressantes, para confirmar a capacidade dos cães para detetar com segurança perfis de stress na respiração de um ser humano em diferentes contextos.”