Um aditivo usado em alimentos processados causa alterações nas nossas bactérias intestinais, revela um novo estudo realizado pela Universidade Norueguesa de Ciências da Vida (NMBU). Um trabalho que leva os investigadores a dizer que está na hora de reavaliar os aditivos usados nos alimentos.
Já ouviu falar do aditivo alimentar E415, também conhecido como goma xantana? Muito provavelmente ingere-o várias vezes por semana, uma vez que a goma xantana é usada em alimentos do dia a dia, como assados, gelados e molhos para saladas, sendo ainda amplamente usada como substituto do glúten. Um novo estudo mostra agora que afeta a nossa microbiota intestinal.
“Ficamos surpreendidos com o quanto as bactérias intestinais humanas se adaptaram a este aditivo desde que foi introduzido na dieta moderna há apenas 50 anos”, diz Sabina Leanti La Rosa, investigadora da NMBU.
De facto, quando foi introduzida pela primeira vez, pensava-se que a goma xantana não nos afetava, pois não era digerida pelo corpo humano. No entanto, este novo trabalho mostra que o aditivo afeta as bactérias que vivem no nosso intestino, bactérias que são importantes para a nossa saúde e bem-estar.
“As bactérias intestinais que investigamos revelam mudanças genéticas e uma rápida adaptação para permitir a digestão desse aditivo específico”, explica o professor Phil Pope, que lidera o grupo de Ecologia Microbiana e Meta-Ómica na NMBU.
A digestão do aditivo
O estudo mostra que a capacidade de digerir a goma xantana é comum na microbiota intestinal humana no mundo industrializado e parece depender da atividade de uma única bactéria que é membro da família Ruminococcaceae.
“A bactéria que pode digerir a goma xantana foi encontrada na microbiota intestinal de surpreendentemente muitas pessoas de países industrializados”, diz La Rosa.
Em algumas amostras foi também encontrado outro tipo de micróbio que interagiu com a goma xantana, este da espécie Bacteroides intestinalis, que tem a capacidade de sequestrar e quebrar ainda pedaços mais pequenos da goma xantana criados durante a digestão das moléculas maiores pela bactéria Ruminococcaceae. A bactéria Bacteroides foi equipada com as suas próprias enzimas especiais que lhe permitiram comer esses pequenos fragmentos de goma xantana.
O estudo demonstra a existência de uma potencial cadeia alimentar impulsionada pela goma xantana, que envolve pelo menos dois tipos de bactérias intestinais. E fornece uma estrutura inicial para perceber como o consumo generalizado de um aditivo alimentar introduzido recentemente influencia a microbiota intestinal humana.
Cinquenta anos de consumo
A goma xantana é um produto de fermentação do açúcar, através da bactéria Xanthomonas campestris, e cujo processo de produção cria um líquido gelatinoso, que é depois transformado em pó.
De acordo com a Autoridade de Segurança Alimentar portuguesa, a ASAE, este aditivo é usado “como estabilizante, espessante e emulsionante” e permitido em muitos alimentos. Foi desenvolvido na Califórnia na década de 60 e foi aprovado como seguro para uso pela Autoridade de Segurança Alimentar dos EUA em 1968. É usado hoje em grande parte do mundo industrializado.
Até agora, a goma xantana era considerada um produto inócuo, por se acreditar que não era digerida pelo organismo e, logo, não contava para a ingestão diária de calorias ou macronutrientes, refere La Rosa.
No entanto, o novo estudo mostra que as bactérias intestinais quebram a goma xantana nos seus monossacarídeos constituintes, que são posteriormente fermentados para produzir ácidos gordos de cadeia curta, que podem ser assimilados pelo corpo humano. Ácidos esses que, sabe-se, fornecem até 10% das calorias aos seres humanos. E isto sugere que a goma xantana pode, de facto, aumentar a ingestão de calorias de uma pessoa.
Quando foi introduzida pela primeira vez, pensava-se que o aditivo passava diretamente pelo corpo sem afetar a pessoa que o comia. “Agora estamos a começar a ver os efeitos a longo prazo da goma xantana que não foram vistos quando foi introduzida pela primeira vez na dieta humana”, diz La Rosa.
“Nós só vemos essas mudanças nas bactérias intestinais de pessoas que seguem uma ‘dieta ocidentalizada’, onde alimentos processados e aditivos compõem uma parte significativa da sua ingestão de alimentos. Por exemplo, não vemos as mesmas mudanças em povos indígenas de diferentes partes do mundo, que comem quantidades limitadas de alimentos processados.”
O que isto significa para a nossa saúde? “Com base neste estudo, não podemos concluir se e como a goma xantana afeta a nossa saúde. Mas podemos dizer que o aditivo afeta a microbiota intestinal das pessoas que a consomem através da alimentação”, reforça La Rosa.
Avaliações aos aditivos precisam-se
A goma xantana foi aprovada como segura para uso em alimentos em grandes partes do mundo, com base em avaliações feitas há 50 anos. O baixo, mas constante consumo deste aditivo por grande parte da população do mundo industrializado, destacam a necessidade de entender melhor os seus efeitos na ecologia da microbiota intestinal humana e na saúde geral do hospedeiro.
La Rosa acredita, por isso, que esta na hora de as autoridades ajustarem as avaliações dos aditivos comuns usados na nossa alimentação diária. “Isso deve mudar a forma como encaramos os aditivos em geral. Quando foram introduzidos pela primeira vez, não se acreditava que interagissem com a nossa microbiota. Foram introduzidos nos anos 1960, quando não tínhamos meios para avaliar a grande influência que a microbiota intestinal tem sobre a nossa saúde e nutrição. Com os avanços na ciência do microbioma, vemos agora os efeitos que não víamos no início. As autoridades talvez devam ter em consideração esse novo conhecimento ao avaliar aditivos alimentares comummente usados, sobretudo agora que vemos que eles de facto impactam a nossa microbiota.”