A esmagadora maioria dos portugueses (74%) considera que a saúde não é uma prioridade do Governo. Um inquérito à população, realizado no âmbito do projeto ‘3f – Financiamento, Fórmula para o Futuro’, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), com o apoio da Roche, confirma que apenas 26% têm uma resposta positiva.
O estudo, realizado com uma amostra representativa da população e que contou com a participação de 600 pessoas, confirma a importância dada pelos cidadãos nacionais ao tema. Ao todo, oito em cada 10 atribuem à saúde o valor máximo da escala e outros tantos têm queixas em relação à forma de funcionamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Na hora de escolher, 87% optam pela oferta pública (foram aos hospitais do SNS nos últimos seis meses), mas não sem críticas. Queixam-se dos tempos de espera, superiores no público, da possibilidade de aceder aos tratamentos inovadores, da qualidade das instalações e do equipamento.
O inquérito revela ainda que entre aqueles que fizeram a visita a um hospital do SNS, a maior parte (28%) fê-lo por ser mais barato, com a qualidade a merecer apenas 6% das respostas.
A eterna questão do financiamento
A questão do financiamento, ou falta dele, no Serviço Nacional de Saúde é consensual. Na Fundação Calouste Gulbenkian, num encontro sobre o tema, Alexandre Lourenço, presidente da APAH, chamou a atenção para as “restrições financeiras”, depois confirmadas pelo ministro da Saúde, convidado do mesmo evento.
É sobre as respostas a este problema que muito se tem pensado. Agora, há conclusões, em forma de recomendações e dois projetos-piloto que as vão pôr em prática.
Ao longo de cerca de um ano, 22 peritos de diferentes áreas reuniram-se para refletir. Uma reflexão no âmbito do projeto 3f – Financiamento, Fórmula para o Futuro, uma iniciativa da APAH com o apoio da Roche, destinada a identificar e definir soluções que permitam reduzir o desperdício e promover a inovação em saúde.
“Abandonar a modalidade de pagamento assente no volume de cuidados” é algo que, defende Alexandre Lourenço, deverá ser feito. Das 90 recomendações sugeridas pelos peritos encontram-se várias associadas a esta ideia. Como aquela que defende o “desenvolvimento de ferramentas que permitem incluir a experiência do utente no modelo de financiamento da saúde”.
A satisfação e qualidade são, de resto, dois conceitos que têm andado alheados do sistema e que os especialistas os querem agora ver incluídos.
Mas há mais, muito mais a fazer, desde o aumento da literacia em saúde, que permitirá uma maior participação dos cidadãos, a uma integração entre os cuidados primários e os restantes, que se admite estar em falta, sem esquecer a medição dos resultados, que deve servir de bússola para o financiamento.
Da teoria à prática: os projetos-piloto
O Instituto de Oncologia do Porto e o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD) são as duas instituições que vão protagonizar projetos-pilotos. A ideia é aplicar, na prática, muito do que foi identificado na teoria.
No primeiro, pretende-se implementar um modelo de financiamento centrado na medição de resultados dos doentes com cancro do pulmão, em que serão definidos incentivos associados à qualidade e não à quantidade. Como resultado final, espera-se “mais acesso, maior sustentabilidade, mais responsabilidade, mais transparência, melhores resultados para o doente e maior satisfação com a experiência dos cuidados de saúde”.
No CHTMAD, a ideia é articular os cuidados de saúde primários com os secundários. “Temos um número elevadíssimo de doentes frequentes nas urgências”, confirma João Oliveira, presidente do conselho de administração do CHTMAD. E um dos projetos é criar “um plano de intervenção para utilizadores frequentes da urgência”.
Os números confirmam essa necessidade. Em 2017, foram muitos os utentes com mais de 40 idas anuais às urgências. Um deles chegou mesmo a ir 67 vezes.