
Cerca de um terço dos doentes com um dispositivo implantado para prevenir a morte súbita sofrem de ansiedade no primeiro ano, com a depressão a afetar um em cada cinco, mostra um estudo publicado na EP Europace, uma revista da Sociedade Europeia de Cardiologia.
“Os cardioversores desfibrilhadores implantáveis (CDI) são eficazes no prolongamento da vida dos doentes, mas temos de garantir uma vida de boa qualidade”, afirma a autora do estudo, Hannah Keage, especialista da University of South Australia.
“As taxas de perturbações do humor em pessoas com CDI são muito mais elevadas do que na população em geral, o que sugere que a avaliação e a terapia psicológica devem ser integradas nos cuidados de rotina destes doentes.”
Um CDI é recomendado para pessoas com risco elevado de ritmo cardíaco fatal e para aqueles que sofreram uma paragem cardíaca e já se tinha confirmado que a ansiedade e a depressão estão associadas a uma maior probabilidade de morte prematura nestes doentes.
O estudo agora realizado compilou as melhores evidências disponíveis para determinar os níveis de depressão, ansiedade e perturbação de stress pós-traumático em pessoas com CDI. Para isso, incluiu 109 estudos, com 39.954 doentes com CDI.
A prevalência de ansiedade, depressão e perturbação de stress pós-traumático foi examinada desde o momento da inserção do CDI até mais de um ano depois, com 23% a apresentarem ansiedade (mais do que os 13% verificados entre a população em geral), 15% com depressão (face a 7% da restante população) e 12% com perturbação de stress pós-traumático (que ronda os 2% na população em geral).
No que diz respeito à ansiedade e depressão, verificou-se que apresentaram taxas mais elevadas nas fases iniciais após a implantação do dispositivo. Nos primeiros cinco meses, 32% tinham ansiedade e 23% apresentavam depressão; seis a 12 meses após a inserção, as taxas de ansiedade e depressão diminuíram para 29% e 21%, respetivamente, tendo sido observadas novas reduções para além dos 12 meses após a implantação, altura em que as taxas eram de 22% e 15%, respetivamente.
Receio de um choque traduzido em stress
Quando um CDI deteta um ritmo cardíaco perigosamente rápido, dá um choque para que o ritmo volte ao normal, o que pode é uma sensação semelhante a levar um pontapé no peito. A análise revelou que os doentes que levaram choques tinham quatro vezes mais probabilidades de sofrer de ansiedade e quase duas vezes mais probabilidades de sofrer de depressão, em comparação com os que não levaram choques.
Numa análise por sexo, as mulheres apresentaram uma probabilidade maior do que os homens de sofrer de ansiedade depois de receberem o seu CDI.
“As taxas dos três distúrbios de humor foram notoriamente elevadas em comparação com o que seria de esperar em pessoas sem CDI, em especial no caso da perturbação de stress pós-traumático”, refere Keage.
“Cerca de 30% dos doentes com CDI sofrem um choque nos primeiros dois anos e, para alguns doentes, este é um medo constante que afeta as decisões de conduzir, nadar, etc. A diminuição das perturbações do humor ao longo do tempo pode dever-se a uma série de fatores, incluindo a obtenção de ajuda psicológica ou a adaptação dos doentes à sua nova vida”, acrescenta a especialista.
A análise também examinou as perturbações do humor em parceiros de pessoas com CDI, estimando-se que 23% apresentem também ansiedade após o implante e 14% depressão, valores semelhante às taxas dos próprios doentes.
“Os parceiros estão claramente preocupados com o facto de o seu ente querido ser submetido a uma cirurgia e, depois, poder vir a sofrer um choque. Envolver os parceiros dos doentes com CDI em terapias psicológicas é mais eficaz para melhorar a saúde física e psicológica dos doentes do que a assistência isolada”, confirma, acrescentando que “os resultados obtidos em doentes cardíacos fazem muito sentido, uma vez que a saúde cardíaca e as perturbações do humor andam de mãos dadas. Os problemas de saúde psicológica podem também conduzir a problemas cardíacos devido ao stress crónico e a estilos de vida pouco saudáveis”.
“Os psicólogos têm tido pouco envolvimento nos cuidados prestados aos doentes cardíacos, mas esta situação tem de mudar. Gostaria de encorajar os doentes e os seus parceiros a procurar ajuda se o seu estado de espírito for baixo ou se estiverem demasiado preocupados.”